Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

segunda-feira, janeiro 04, 2010

A onipotência e a verdade

SALVADOR (BA) - A POPULARIDADE do vosso presidente da República, Luiz Inácio da Silva (PT-SP), também, está em alta na Europa. Escolhido o "Homem do Ano" pelo jornal francês Le Monde e pelo jornal espanhol El País - o jornal britânico Financial Times (FT) listou “O-CARA” entre as 50 personalidades que moldaram a primeira década do século 21. Ao justificar a sua escolha, o jornal britânico tratou de dividir o sucesso do governo Luiz Inácio da Silva (2003-10) com a gestão de seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). Sobre sua popularidade, destaca: "O que faz os brasileiros amarem Lula é a baixa inflação" - herança do Plano Real que foi implementado sob a liderança do sociólogo Fernando Henrique Cardoso ainda no final do governo do ex-presidente da República, Itamar Franco (1992-1994), de quem fora ministro de Estado da Relações Exteriores e, depois, ministro de Estado da Fazenda. E lembra que, quando na Oposição, “O-CARA” criticou duramente as ações da política econômica do antecessor, "mas foi esperto o suficiente para mantê-las".

O EDITORIAL do FT se absteve em dizer que no Congresso Nacional, nos comícios, nas campanhas eleitorais, nos sindicatos e nas ruas Luiz Inácio da Silva e o seu Partido dos Trabalhadores (PT) trabalhavam para derrubar, uma a uma, as ações de política econômica que eles trataram de preservar quando chegaram ao governo. Quem viu “O-CARA” e o PT em campanha contra o Programa Nacional de Desestatização desde o governo Fernando Collor de Mello (1990-92), no governo do ex-presidente Itamar Franco (PPS-MG) e em toda a gestão do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB-SP), com xingamentos agressivos, não o imaginava dois anos depois (2004) desautorizando o ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Carlos Lessa (PMDB-RJ), a tentar reestatizar a Companhia Vale do Rio Doce S/A. "Não quero que meu governo passe a imagem de que somos contra e vamos desfazer as desestatizações", advertiu Luiz Inácio da Silva em 2003.

CONTUDO o Financial Times está certo em cutucar “O-CARA” naquilo que ele jamais admitiu e, pior, nega quando fala a respeito. Por mais oposição que tenha praticado antes, nenhum líder político começa a governar seu país com atitudes de ruptura com o que encontrou. "Vamos mudar tudo que está aí", prometiam “O-CARA” e companheiros. A expressão não diz nada, é oca, vazia, não especifica o que vai mudar, mas é boa de marketing popular e péssima como mensagem de governo. Deu no que deu em 2002, com o dólar beirando R$ 4 e o risco País chegando a 3 mil pontos.

DEPPOIS de sua posse na Presidência da República, Luiz Inácio da Silva continuou o discurso oco de efeito retardado - "nunca antes na história deste país". Arrogante, esquece que apenas deu continuidade àquilo que herdou. Ele costuma glorificar os avanços de seu governo na área social. Realmente o Programa Bolsa-Família é um programa social bem-sucedido, elogiado por outros governantes, pelo Banco Mundial (Bird) e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). Mas “O-CARA” omite que o programa foi criado no governo anterior e que a sua mais genial inventividade - a estrutura de um cadastro das famílias de alcance nacional e o cartão bancário que eliminou a secular e corrupta intermediação dos políticos - foi concebida por uma equipe de economistas, entre eles Ricardo Paes de Barros do Instituto de Economia Aplicada (Ipea) do Ministério do Planejamento Orçamento e Gestão, que os petistas rotulavam de neoliberais. Na época, o Instituto da Cidadania, ligado ao PT, apresentava ao País um esdrúxulo plano para eliminar a fome, com um fundo alimentado por uma taxa cobrada em gorjetas de restaurantes. “O-CARA” podia criticar a quantia de apenas R$ 15 que o governo Fernando Henrique Cardoso dispensava às famílias por filho na escola e lembrar, com justiça, que sua gestão elevou o valor e ampliou o cadastro de famílias, mas não é ético tomar a si a autoria do programa, que não lhe pertence.

CONTINUANDO a série "nunca antes na história deste país", sua única concessão foi dirigida ao ex-presidente da República (o último da ditadura militar – 1964/85), João Baptista Figueiredo (1979-1985), ao afirmar que só o general construiu mais casas do que ele, mas omite e não reconhece um fato bem mais recente vivido na democracia: é o sistema de câmbio flutuante e metas de inflação, criado na gestão do economista Armínio Fraga (1999-2002) a frente do Banco Central do Brasil (BC), e com sabedoria mantido por ele; e Henrique Meirelles (PMDB-GO), que mantém a inflação baixinha e garante sua popularidade.

É BASTANTE satisfatório constatar que o País progrediu sob o governo Luiz Inácio da Silva. “O-CARA” e sua equipe de petistas demoraram a aprender, tropeçaram nas Parcerias Público-Privadas (PPPS) criadas no governo anterior, tomaram decisões erradas quando tentavam inventar - caso do programa Meu Primeiro Emprego. E levaram o País ao retrocesso político ao tolerarem, não punirem e até incentivarem a corrupção, ao lotearem cargos técnicos com apadrinhados despreparados e mal-intencionados, ao interferirem politicamente em funções do Estado que existem para servir ao cidadão, e não aos interesses do governo. Não fizeram as reformas, na política diplomática não chegaram a contar vitórias e continuam errando no plano político-institucional.

TAMBÉM é legítimo reconhecer os méritos: a economia cresceu e milhares de empregos foram criados, a área social ganhou impulso, surpreendentemente o País saiu da crise antes do esperado e a última pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sobre o Produto Interno Bruto (PIB) trouxe a boa notícia: o investimento produtivo voltou e tudo indica que de forma sustentada. O futuro, portanto, é promissor e “O-CARA” colaborou para sua construção. Mas não só ele. Ninguém é onipotente, muito menos quem tem responsabilidade de governar e preservar o que foi feito antes. O Brasil perdeu a década de 1980 inteira, sofrendo com uma inflação absurda que emperrava o progresso, impedia investimentos, concentrava a renda. Derrubar a inflação foi o primeiro passo para reverter esse quadro e começar a construir um novo País. E isso ocorreu com o Plano Real, em 1994 no governo Itamar Franco, em pleno ano eleitoral e apesar da oposição de Luiz Inácio da Silva e do PT, que decretavam vida curta a "este plano eleitoreiro".