Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

terça-feira, setembro 05, 2006

Abusados!

WLADMIR ÁLVARO PINHEIRO JARDIM
BELO HORIZONTE


Pode ser criticável, mas é normal que candidatos à Presidência da República, no Brasil, usem escândalos para atacar seus adversários. Assim, a senadora Heloísa Helena (PSOL-AL), de acordo com seu perfil de candidata da ética, saiu atirando para todos os lados, dizendo que a corrupção das sanguessugas é culpa tanto do governo do vosso presidente da República Luiz Inácio da Silva (2003-6) quanto do governo do ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). Da mesma forma o ex-governador do Estado de São Paulo e candidato presidencial, Geraldo Alckmin (PSDB-SP) classificou o governo do vosso presidente-candidato Luiz Inácio da Silva (PT-SP) como a matriz da corrupção. Preocupante, porém, é o uso do governo para atacar os adversários, enquanto o presidente-candidato finge-se de isento na questão.

O caso da entrevista coletiva convocada pelo ministro de Estado da Justiça Marcio Thomaz Bastos e pelo ministro-chefe da Controladoria-Geral da União (CGU) Jorge Hage — para atacar o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB-SP), tentando transferir para este a maior parte da responsabilidade do esquema de fraudes agora denunciado, é escandaloso do ponto de vista republicano, termo tão ao gosto do ministro Thomaz Bastos, mas tão distante de suas práticas recentes. É a máquina estatal a serviço da candidatura oficial.

Essa manobra eleitoreira ocorreu poucos dias depois de o presidente nacional do Partido dos Trabalhadores (PT), o deputado e ex-ministro de Estado da Previdência e Seguridade Social Ricardo Berzoini (PT-SP), ter insinuado, sem indício de prova, que o ex-prefeito da cidade de São Paulo e ex-ministro de Estado da Saúde, José Serra (PSDB-SP), candidato ao governo de São Paulo, poderia estar envolvido no caso.

Não importa que tenha sido um fiasco a tentativa de dividir responsabilidade por mais um esquema de corrupção, e sim o uso da máquina estatal em benefício do candidato-presidente. O próprio presidente Luiz Inácio da Silva, em entrevista à Rádio CBN, tentou inverter a situação a favor do seu governo, alegando que a corrupção só está aparecendo mais porque o governo está apurando.

Na verdade, as denúncias mais graves surgidas nos últimos tempos não tiveram início em investigações governamentais. O escândalo do mensalão nasceu de denúncias da Imprensa sobre corrupção incrustada nas entranhas da Empresa Brasileira de Correios (ECT) neste governo do petismo, que provocaram uma entrevista do então aliado do lulismo, o ex-deputado (cassado) Roberto Jefferson (PTB-RJ), à reportagem do Jornal Folha de S. Paulo, contando tudo.

O primeiro grande escândalo do governo Luiz Inácio da Silva, envolvendo em subornos relacionados a jogos eletrônicos Waldomiro Diniz, assessor do então ministro-chefe do Gabinete Civil da Presidência da República, e agora ex-deputado (cassado), José Dirceu (PT-SP), também surgiu da Imprensa. O atual escândalo das sanguessugas nasceu da atuação do juiz federal Jefferson Schneider e do procurador da Justiça Mario Lucio Avelar, no Estado do Mato Grosso.

A decantada CGU teve papel secundário no processo, detectando indícios de irregularidades que já eram investigados pelo Ministério Público Federal (MPF), e o Departamento de Polícia Federal (DPF) atuou para prender os envolvidos por orientação da Justiça. Os dados que os dois ministros apresentaram à Imprensa, e haviam sido enviados à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que apura o esquema das sanguessugas no Congresso Nacional, não contêm novidades, diante da imensa investigação que foi feita pela Justiça Federal no Estado do Mato Grosso.

Mesmo a CPMI, que está fazendo a maior devassa já registrada no Congresso Nacional, só foi adiante pela pertinácia de três parlamentares: os deputados Raul Jungmann (PPS-PE) e Fernando Gabeira (PV-RJ) e a senadora Heloísa Helena. O presidente do Senado Federal, senador Renan Calheiros (PMDB-AL), aliado incondicional do governo Luiz Inácio da Silva, tentou evitá-la, e até hoje nem ele nem o presidente da Câmara dos Deputados Aldo Rebelo (PCdoB-SP), tiveram atitudes à altura da maior crise já vivida pelo Poder Legislativo.

Até o momento, a atuação da CPMI, que por sinal é presidida por um petista, o deputado e ex-desembargador da Justiça, Antonio Carlos Biscaia (PT-RJ), tem sido irretocável no sentido de não politizar a questão. Logo no início tomaram-se duas decisões: não politizar nem permitir que o corporativismo prejudicasse as investigações; e não convocar ministros nem ex-ministros de Estado.

Pelas informações da CPMI, a atuação da Planam — empresa do empresário Luiz Antonio Trevisan Vedoin que pagava comissões a políticos em troca de emendas para compras superfaturadas de ambulâncias — foi residual de 1999 a 2001, até o grande salto, em 2002, quando, segundo Vedoin, os políticos resolveram utilizar o esquema para fazer caixa dois e financiar suas campanhas eleitorais.

De acordo com a investigação da CGU, a Planam teve a ver em 2000 com 28% dos convênios firmados com prefeituras para a compra de ambulâncias, e esse percentual subiu para 51% em 2002. No governo Luiz Inácio da Silva, a participação da Planam em convênios caiu para 24,39%, em 2003, e para 16,17%, em 2004, o que indicaria que as fraudes agora descobertas seriam menores que em governos anteriores. Acontece que, na prática, não há provas, pelo menos por enquanto, de que os casos de superfaturamento aconteceram sempre.

A tentativa de incluir José Serra, ministro de Estado da Saúde em 2002, na lista dos suspeitos é infrutífera por uma razão: o próprio Vedoin disse, no depoimento à Justiça, que fez contato no governo Luiz Inácio da Silva para poder receber as verbas das ambulâncias que havia entregado e pelas quais não recebera pagamento no governo Fernando Henrique Cardoso.

Foi aí que entrou em contato com o presidente do PT no Ceará, deputado José Airton Cirilo (PT-CE), que serviu de intermediário com o então ministro de Estado da Saúde Humberto Costa (PT-PE), e hoje candidato ao governo do Estado de Pernambuco, para a liberação de R$ 8 milhões para a Planam, em troca de R$ 400 mil pela intermediação. Já na gestão do ex-ministro de Estado da Saúde, deputado Saraiva Felipe (PMDB-MG), que sucedeu a Humberto Costa, a Planam conseguiu “plantar” no Ministério da Saúde (MS) uma funcionária, Maria da Penha, que, com o apoio de políticos do esquema, “agilizava” os processos, sempre em troca de comissões.
O deputado Raul Jungmann, sub-relator da CPMI que investiga o escândalo no Parlamento, e que classifica de “patético” o papel dos dois ministros, diz que, pelos dados da Justiça no Estado do Mato Grosso, o esquema de corrupção envolveu muito mais dinheiro no governo Luiz Inácio da Silva do que no governo anterior, “mas nós não estamos interessados nessa conta. Não há um membro desta CPMI que esteja acusando o governo. Nós estamos interessados em limpar o Congresso”.