Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

domingo, agosto 22, 2010

Uma crise da segurança pública

BARRETOS (SP) - ENQUANTO no plano político dirigentes governamentais acenam com a possibilidade de construção do trem-bala e de outros projetos de duvidosa prioridade que exigem investimentos vultosos da União Federal e dos governos estaduais, no cotidiano de algumas áreas da administração pública a situação é de carência de recursos humanos, de infraestrutura adequada e de equipamentos modernos. Isso pode ser visto nas escolas públicas, na rede médico-hospitalar e na área de segurança.

UMA reportagem publicada no último dia 15 pelo jornal O Estado de S. Paulo mostrou que, em matéria de perícia criminal, o quadro é sombrio. Em quase todo o País, a polícia científica não dispõe de maletas com kit de varredura de locais de crime e acidentes. Os peritos carecem de laptops, trena a laser, câmera fotográfica digital e até de material para exame de DNA e exame de balística com microcomparador. Sem esses equipamentos, é quase impossível produzir provas documentais para esclarecimento de homicídios e latrocínios. Muitas vezes, os peritos são obrigados a trabalhar somente com lápis e papel.

EM várias Unidades da Federação, a polícia científica também não conta com laboratórios nem com reagentes químicos para fazer os exames mais elementares com o objetivo de identificar causas de mortes e produzir provas materiais. Faltam ainda cromatógrafos gasosos, luz forense, luminol e laboratório de fonética.

E DIANTE da escassez de veículos, existem municípios em que os corpos de vítimas de acidentes de trânsito ficam até dez horas à espera de remoção.

ADEMAIS, as câmaras frias para a conservação de corpos têm mais de 30 anos de funcionamento e vivem quebrando. E, como também não há geladeiras em número suficiente, muitas vezes os corpos têm de ser sepultados às pressas, sem a realização de autópsia - e depois, havendo necessidade de apurar se a morte derivou de crime, acidente e causas naturais, é preciso exumar o corpo.

DESTINADOS a atender os 5.560 municípios brasileiros, existem somente 60 Institutos de Criminalística (IC) e Institutos de Medicina Legal (IML). Segundo os especialistas, seriam necessárias, no mínimo, mais 300 unidades. A média considerada adequada é de um instituto para cada 15 cidades.

PARA atuar nas 32 especialidades de perícia criminal adotadas pelo Brasil, conforme a legislação penal, existem cerca de 12 mil peritos. Como pelas recomendações dos organismos internacionais a média adequada é de 1 perito para cada 5 mil habitantes, o País tem uma carência de 26 mil peritos.

OS SERVIÇOS mais precários estão no Norte e Nordeste e os mais eficientes, no Sul e Sudeste. E as deficiências mais graves estão nos Estados de Sergipe, Rio Grande do Norte, Maranhão e Roraima, nos quais a maioria dos equipamentos para a realização de perícias e exames científicos está faltando.

NA ausência das câmaras frigoríficas, por exemplo, os IMLs do Estado do Maranhão utilizam geladeiras comuns para guardar corpos. Em vez de luz forense multiespectral, a polícia científica sergipana utiliza nas análises uma precária luz ultravioleta - e ela está queimada. No Estado do Pernambuco, o Instituto de Criminalística não está preparado para fazer exame de DNA e as poucas maletas de perícia não dispõem de um laptop digital. Já o Estado do Rio Grande do Norte conta com laboratório de DNA, mas não tem funcionários qualificados para operá-lo. Já no Estado de Roraima, como faltam equipamentos laboratoriais e reagentes químicos, determinadas perícias somente são concluídas se houver empréstimo de material pela iniciativa privada. Embora não disponha de laboratório de DNA, câmaras frias no IML, cromatógrafos e luz forense, o Estado do Piauí conta com um microcomparador balístico, que compartilha com os Estados do Maranhão e Ceará.

O BAIXÍSSIMO índice de esclarecimento de homicídios é a consequência inevitável do sucateamento da polícia científica no País. A média nacional é de 25 crimes esclarecidos a cada 100. Mas nos Estados onde a perícia criminal praticamente inexiste, o índice cai para 2,8%.

PARA reduzir a violência não basta só a repressão - acima de tudo, é preciso inteligência, equipamentos de ponta e uma polícia científica preparada e devidamente equipada. Sem isso, não há como debelar a crise de segurança pública.