Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

terça-feira, setembro 01, 2009

Dois pesos: duas medidas

TÃO precipitadas como se revelaram as previsões de que o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) livraria por esmagadora maioria de votos o ex-ministro de Estado da Fazenda (2003-06) e atual deputado federal pelo Estado de São Paulo, Antonio Palocci Filho (PT-SP), da acusação de ter ordenado a violação do sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa, parecem ser as avaliações de que agora ele tem tudo para reconstituir a sua imagem pública e retomar, nas urnas de 2010, uma carreira política para a qual o céu seria o limite. Palocci Filho terá de se haver - e não apenas pelo tempo de uma campanha - com um tribunal mais cético sobre sua inocência do que àquela Corte que acabou de poupá-lo, por um único voto de diferença, da 21ª denúncia criminal de que foi alvo. As outras 20 se referem a uma variedade de alegados delitos que remontam à sua gestão como prefeito municipal de Ribeirão Preto (SP). Ele ainda responde a uma dezena de ações civis por improbidade administrativa em instâncias judiciais inferiores.

NÃO existe o menor motivo para supor que a apertada decisão do plenário do STF induzirá o chamado tribunal da opinião pública a ver Palocci com os mesmos olhos de antes do fatídico 14 de Março de 2006, quando, em entrevista à reportagem do jornal O Estado de S. Paulo, Francenildo Costa contou o que testemunhara das visitas do então ministro de Estado da Fazenda à trepidante sede da "República de Ribeirão", aquela já folclórica mansão do Lago Sul, em Brasília (DF), onde rolavam alegres noitadas e onde dinheiro manchado passava de mão em mão. O relato do caseiro, autenticado por sua jovem, humilde e desprevenida figura, apresentou ao País um Antonio Palocci Filho que estaria como o Mr. Hyde para o Dr. Jekyll do romance de Robert Louis Stevenson sobre o médico que à noite se transforma em monstro. O político que idealizou a tranqüilizadora Carta ao Povo Brasileiro do então candidato presidencial, Luiz Inácio da Silva (PT-SP), em Junho de 2002, conduziu a transição de alto nível do governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) que saía para o que entrava, levou a porto seguro a economia nacional e se tornou o mais respeitado interlocutor do Brasil com o exterior tinha, em suma, dupla personalidade.

JÁ O ANTONIO Palocci Filho da treva, na percepção do público, não só confraternizava com a corrupção. Passados dois dias da entrevista do caseiro, o ministro recebeu das mãos do então presidente da Caixa Econômica Federal (CEF), o economista e líder sindical Jorge Mattoso, um extrato da conta de Francenildo, emitido com a torpe intenção de provar que ele havia sido pago para falar o que falou - e em seguida o impresso foi vazado para a reportagem Revista Época. Como agiram nesses dois dias os três acusados pelo novo procurador-geral da República, Roberto Gurgel, foi minuciosamente descrito na sua denúncia ao plenário do STF em detalhes que tiveram o sabor de um escandaloso flagrante, que foi a base da argumentação dos quatro ministros que votaram pela aceitação da denúncia contra Palocci Filho. Todos os lances dessa trama foram publicados pela Imprensa naquela ocasião. Foi por isso que, uma semana depois, Antônio Palocci Filho deixou o governo Luiz Inácio da Silva (2003-10). Para os 5 ministros do STF que votaram pelo arquivamento da ação, no entanto, entre eles o relator Gilmar Mendes (presidente daquela Corte), não ficou provado que o ministro participara da quebra do sigilo. Mas, para o homem simples da rua, há de ter ficado robustecida a impressão de que existem no País duas Justiças - uma para o povo, outra para os poderosos. A imagem transmitida pela TV Justiça de um Francenildo Costa aplastado pelo veredicto simbolizaria, mais do que qualquer outra coisa, a realidade desse sistema de dois pesos e duas medidas.

POIS até o fato de o STF aceitar, por unanimidade, o pedido de abertura de processo contra Mattoso em tribunal de primeira instância pode servir aos detratores do Judiciário. Na denúncia do procurador está a história completa e minuciosa do "dia da quebra do sigilo" que terminou com Mattoso levando à casa de Palocci Filho, às 23h30, os dados que ele lhe pedira; tudo publicado pelos grandes jornais no dia seguinte. E não será descabido o prognóstico de que uma parcela talvez decisiva do eleitorado se sensibilize pela evocação do caso a que os adversários de Palocci decerto tratarão de recorrer, se realmente o vosso presidente da República, Luiz Inácio da Silva, conseguir fazer dele o candidato do Partido dos Trabalhadores (PT) ao governo do Estado de São Paulo. Meses atrás, confiante num desfecho favorável da questão no STF e no prestígio de Palocci Filho junto ao empresariado paulista, “O-CARA” disse numa conversa a bordo do avião presidencial que Palocci era o nome de sua preferência para concorrer ao governo de São Paulo.

PALOCCI Filho, porém, não parece minimamente interessado em disputar uma eleição que ele sabe que não terá chance de vencer contra um Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), unida em torno do ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB-SP). Somando ainda o apoio do governador José Serra (PSDB-SP) e do prefeito reeleito da Capital paulista, Gilberto Kassab (DEM-SP), que gozam de grande prestígio e popularidade entre o eleitorado daquela Unidade da Federação.