Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

quinta-feira, dezembro 17, 2009

Encontro circense

TODOS OS otimistas de plantão erraram mais uma vez. Esperavam apenas uma reunião inútil, com pauta medíocre, nenhuma decisão importante e nenhum problema resolvido, mas a 38ª Conferência de Cúpula do Mercosul, semana passada, em Montevidéu, foi pior que isso. Terminou como sessão de circo mambembe, com um longo e ominoso discurso do coronel-presidente da Venezuela, Hugo Chávez, e com uma declaração de repúdio às eleições em Honduras, assinada pelos presidentes dos quatro países sócios do bloco latino-americano, mais o líder bolivariano. Serviu, além disso, para se dar sobrevida a uma aberração, a lista de exceções à Tarifa Externa Comum (TEC). Vai durar mais um ano, até o fim de 2011. A prorrogação foi proposta pela presidente da Argentina, Cristina Kirchner, e de novo o vosso presidente da República, Luiz Inácio da Silva (PT-SP) baixou a cabeça, embora a decisão contrariasse posição explícita do governo brasileiro.

“O-CARA” aproveitou o encontro para prometer ao colega Chávez a aprovação do ingresso da Venezuela no Mercosul. Com um dia de antecedência, arriscou-se a anunciar o resultado da votação final no Senado Federal. O presidente da Venezuela cobrou a aprovação também pelo Congresso Nacional do Paraguai. Os parlamentares argentinos e uruguaios já haviam admitido a entrada do quinto sócio.

LUIZ Inácio da Silva, contrariando seus hábitos, falou pouco - um discurso de apenas 10 minutos de duração. Chávez, ainda na condição de convidado, foi fiel a seus padrões. Falou durante 25 minutos e não tratou de um só tema relevante para o Mercosul. Voltou a criticar o acordo militar entre Colômbia e os Estados Unidos da América (EUA) e mencionou sinais de movimentação em bases de Curaçau e de Aruba. Acusou o governo norte-americano de pretender declarar guerra a toda a América do Sul. O presidente da República dos EUA, Barack Houssein Obama, acrescentou, não foi "lento nem preguiçoso" em recorrer às políticas do passado, contrariando a promessa de mudanças. Falou sobre a situação de Honduras, dissertou sobre o risco de golpes na região e mencionou, aparentemente brincando, a hipótese de ter de pedir abrigo na Embaixada do Brasil, como fez o deposto Manuel Zelaya em seu retorno clandestino a Tegucigalpa.

HUGO Chávez comprovou mais uma vez, nesses 25 minutos, a sensatez dos opositores de seu ingresso no Mercosul. Nunca se fez oposição à admissão do Estado venezuelano, mas sim à participação de um governante como Chávez nas deliberações do bloco. O discurso foi mais uma demonstração do real objetivo de sua política regional: criar uma plataforma para a realização de suas ambições e um palanque para seus comícios. A vocação autoritária do líder bolivariano requer a criação de inimigos externos, como os EUA e a Colômbia, e o envolvimento do Mercosul em suas manobras foi sempre uma intenção evidente de Chávez.

“O-CARA”, em seu discurso defendeu a admissão da Venezuela como forma de agregar escala e complementaridade à economia do Mercosul. Mas argumentos desse tipo são frágeis, quando, com a ampliação, o bloco sujeitará suas deliberações ao poder de veto de Hugo Chávez e passará a ser usado para os fins de uma política exterior agressiva e desagregadora.

ISSO TUDO o próprio presidente venezuelano já demonstrara mais de uma vez, ao participar de reuniões do Mercosul como convidado. Ao criar a Alba, sua alternativa bolivariana, o presidente da Venezuela formou um Exército Brancaleone, apenas suficiente para emoldurar sua liderança agressiva.

O ATUAL formato do Mercosul pode servir aos propósitos políticos de Chávez, mas não aos interesses da economia brasileira. Não funciona sequer como zona de livre comércio e é obstáculo a uma inserção mais efetiva no mercado global. A reunião de Montevidéu serviu para novas cobranças ao governo brasileiro. A presidente da República da Argentina, Cristina Kirchner, secundada pelo colega paraguaio, defendeu indiretamente sua política protecionista, situou a Argentina entre as economias menores e cobrou iniciativas do Brasil para corrigir as famigeradas assimetrias. Não mencionou, naturalmente, o baixo empenho da indústria argentina em investir e ganhar competitividade.

O VOSSO presidente da República, Luiz Inácio da Silva, como sempre, ficou calado. Quando chegar a hora de agir, cederá mais uma vez. É a sua forma de pagar por uma liderança imaginária. A contrapartida nunca apareceu.