Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

quinta-feira, outubro 13, 2011

O blues eletrizante de Eric Clapton

SÃO PAULO (SP) - O MÚSICO inglês Eric Clapton subiu ao palco montado no gramado do Estádio do Morumbi pontualmente às 21h de ontem. O show foi aberto com a canção Key to Highway, sendo ovacionado pela plateia. Em seguida, o guitarrista tocou Tell the Truth.


SEM afetações, o cenário do show é bem simples. Apenas dois telões laterais. Hoochie Coochie Man, terceira música, mostrou a pegada blues do guitarrista. Apesar das cadeiras numeradas, muitas pessoas preferiram assistir ao show de pé, nos corredores laterais.


NA segunda parte do show, Clapton tocou seus clássicos: Old Love Drifting, Nobody Knows You When You're Down and Out e Lay Down Sally no violão. Calado no palco, apenas agradecia a empolgação do público entre uma música e outra. Ao executar a canção Layla, grande sucesso de sua carreira, fez uma versão diferente da que o público está acostumado, o que decepcionou os fãs.


WONDERFUL Tonight, Before You Acuse Me e Little Queen of Spades, foram canções que também entraram no set list.


O CLIMA morno do show foi quebrado com Cocaine, última música, tocada a todo vapor. No bis, Clapton chamou o guitarrista Larry Clark Jr para se despedir do público com a canção Crossroads. O jovem e talentoso guitarrista Clark Jr, que é chamado pela Imprensa especializada como o salvador do blues, abriu o show.


SE o negócio era sofrer, como diziam os negros que faziam blues naqueles anos 1960, Eric Clapton sempre esteve em um bom caminho. Aos 9 anos, sentiu tremer sua casinha na cidade de Ripley, na Inglaterra, quando soube tudo de uma vez só: sua mãe não era sua mãe, mas sua avó. Seu pai não era o marido de sua avó e aquela moça que ele chamava de irmã era, na verdade, sua mãe. O pai verdadeiro, nunca conheceu. O moleque pirou e foi parar em mundo sinistro de onde, talvez, nunca tenha voltado por inteiro. Quando um violão caiu em suas mãos, não deu outra.

PANO rápido! Juazeiro (BA), uma década antes. O brasileiro João Gilberto sabia bem quem eram seu pai e sua mãe. Eles é que às vezes não sabiam o que era o filho. João ficava bravo com quem pisava nas formigas, conversava com as árvores, não era de namorar e adorava ir para a orla do Rio São Francisco ouvir o som das lavadeiras perto da ponte que levava a Petrolina (BA). Caladão, mas travesso, foi parar em um mundo que parece só dele e do qual se recusa a voltar por inteiro. Quando um violão caiu em suas mãos, não deu outra.

POIS bem, João Gilberto é o novo ‘bluesman’ predileto de Eric Clapton. Ao falar do brasileiro, o inglês mostra a empolgação das entrevistas que dava quando falava de Muddy Waters e Howlin’ Wolf, nos anos 1960. João Gilberto se tornou seu sonho de consumo. “Ele é fantástico. Mas também sei quanto é difícil de ser encontrado”, disse em entrevista à reportagem do JORNAL DA GLOBO (TV GLOBO), há uma semana. Clapton quer gravar ou pelo menos tocar com João Gilberto. Seu disco Reptile, de 2001, já fazia reverências ao jeito de o gênio baiano puxar as cordas do violão na faixa título do disco. Reptile, disse Clapton, havia sido criada logo depois que o guitarrista assistiu a um show de João Gilberto em Londres.


CLAPTON só precisa ligar para as pessoas certas e parar de falar sobre João Gilberto aos jornalistas. O encontro entre o inglês que mudou a guitarra e o baiano que revirou o violão pode estar mais perto do que se imagina. À nossa reportagem, Claudia Faissol, mulher de João Gilberto, fala pelo cantor. "Adoramos Clapton, mas ninguém da produção dele entrou em contato com a gente. João é difícil, mas eles têm de me ligar para que armemos o encontro. O que João não gosta é de saber das coisas pela imprensa".


ENQUANTO Clapton se curva ao violão de João, daria para imaginar o baiano ouvindo Layla eCocaine? Sim, diz Faissol. João Gilberto não foi aos shows de Clapton no Rio de Janeiro (RJ), no fim de semana, mas mandou Claudia Faissol registrar o que podia com uma filmadora. “Ele pediu para eu filmar. João tem muito respeito pela música dele." A chance mais plausível para o encontro seria nos shows que João Gilberto fará para comemorar seus 80 anos - mas nada é certo. A data paulista do show é 5 de novembro, na casa Via Funchal. "Pode, sim, acontecer. Você tem meu telefone, é só passar para a produção de Clapton se eles te procurarem", disse ao repórter. A oportunidade seria quase única. Afinal, é mais fácil Clapton vir a João do que João ir a Clapton.


O ÍDOLO inglês tem feito o que pode para se aproximar de seu ídolo brasileiro. Claudia Faissol confirma o que disse à nossa reportagem um amigo de João que vive até hoje em Juazeiro, Mauricio Dias. Eric Clapton chegou a interceder por João Gilberto junto à gravadora EMI para que ela negocie com o baiano o relançamento de seus três primeiros discos, que deram forma à bossa nova nos anos 1960. A briga de João para ter seus masters de volta é antiga. "Os masters foram modificados pela gravadora no tempo em que ela (a gravadora EMI) pertencia aos ingleses." A gravadora não se pronuncia sobre o caso. "É uma vergonha para eles. Uma força do Clapton pode ajudar. João chegou a mandar a ele um cartão carinhoso, mas não sabemos se recebeu."


AOS 66 anos, Clapton fez ontem a noite no Estádio do Morumbi, uma apresentação tomada em mais da metade pelo blues. A música que o salvou, como ele sugeriu em sua autobiografia de 2007, veio em estado bruto por nove vezes em sua lista de 16 canções. Reptile, aquela que faz a referência mais direta ao ídolo brasileiro, não esteve na lista. Mas os fãs de blues e de Clapton, que não necessariamente precisam gostar de João Gilberto, saíram saciados por longos solos e poucas palavras.


CONFIRA aqui o repertório do show que assistimos na noite de ontem em Sampa:

Going Down Slow
Key to the Highway
Hoochie Coochie Man
Old Love
I Shot the Sheriff
Driftin'
Nobody Knows You When You're Down and Out
Lay Down Sally
When Somebody Thinks You're Wonderful
Layla
Badge
Wonderful Tonight
Before you Accuse me
Little Queen Of Spades
Cocaine.