Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

segunda-feira, fevereiro 06, 2012

Os brasileiros de lá

PORTO ALEGRE (RS) – ESTIMA-SE que cerca de 350 mil brasileiros vivam no Paraguai. Boa parte deles são os chamados “brasiguaios”, que se dedicam à agricultura em regiões próximas à fronteira com o Brasil. Crises periódicas envolvem a situação desses brasileiros no país vizinho, como agora: milhares de trabalhadores rurais sem terra paraguaios acamparam próximo às fazendas dos brasiguaios — em alguns casos dentro delas — para exigir a posse de 167 mil hectares que, na opinião deles, deveriam passar às mãos dos paraguaios.



ESSES agricultores reclamam o cumprimento de promessas do presidente da República do Paraguai, Fernando Lugo, de se empenhar na solução dos problemas fundiários daquele país. Querem, claro, como primeira providência, a expulsão dos brasiguaios. Os chamados carperos (que vivem em carpas, tendas em português) se valem de uma lei de 2005, segundo a qual estrangeiros não poderiam comprar terras a 50 quilômetros da fronteira. Em 2007, foi aprovada a Lei de Fronteira, que agravou a situação ao dispor que quem não estiver dentro de uma área definida pode ser expulso da propriedade. Os brasiguaios chegaram muito antes dessas leis e são altamente produtivos, grandes cultivadores de soja, e contribuem bastante para a economia da nação vizinha. Muitos têm títulos de propriedade das terras, filhos nascidos no Paraguai e não pretendem deixar para trás tudo o que conquistaram com seu trabalho.


AGORA, autoridades paraguaias deslocaram forças policiais para os arredores das áreas ocupadas, mas é quase impossível que deem conta do problema, pois os sem-terra continuam chegando em massa à região. O encarregado de Negócios do Paraguai no Brasil, Didier Olmedo, afirmou que o governo Lugo está empenhado em encontrar uma solução, mas reconheceu, corretamente, que o assunto deve passar para a órbita dos tribunais.



COMO se trata de brasileiros, a questão envolve o Estado nacional e mobiliza o governo federal num trabalho conjunto com as autoridades paraguaias, não só na busca de alternativas para o problema, como para evitar um agravamento de uma situação muito tensa que pode evoluir para um indesejável conflito na fronteira. O grande problema é a adesão do governo brasileiro, nas administrações Luiz Inácio da Silva (2003-10) e Dilma Wana Rousseff (2011-14), à diplomacia companheira, que trata com deferência especial, às vezes em detrimento até dos interesses nacionais, líderes de países identificados com causas da velha esquerda latino-americana, num viés de ultrapassado confronto com o governo dos Estado Unidos da América (EUA).



EXEMPLOS não faltam dessa atitude brasileira nos últimos anos. No início de seu primeiro mandato presidencial (2003-06), Luiz Inácio da Silva (PT-SP), tratou com brandura o programa de nacionalização do governo boliviano na área do gás, com prejuízo para a nossa companhia pública Petróleo do Brasil (Petrobras S/A), por identificação ideológica com o companheiro Evo Morales. Também o regime cubano tem sido alvo de atenções especiais por parte tanto do governo anterior quanto do governo atual, que acaba de encerrar visita ao país dos irmãos Castro, quando defendeu enviesadamente a ditadura na questão dos direitos humanos. Que a tendência não venha a se manifestar agora em que há brasileiros envolvidos numa situação difícil no Paraguai, apenas porque o presidente Lugo é outro companheiro. É preciso ser firme na defesa dos direitos dos brasiguaios.