Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

sexta-feira, dezembro 19, 2003

Um socorro para a Universidade brasileira


O Governo lançará nos próximos dias um plano para injetar recursos e dar sobrevida à Universidade Brasileira. Uma espécie de Programa de Reestruturação Financeira, tal qual o Proer implantado no setor bancário nacional pelo Governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) à época da bancarrota financeira que abateu a Ásia e as economias emergentes em 1997.
Endividada, desfalcadas de docentes e com o pagamento das contas de água, de energia e de telefonia atrasados, as 52 Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) do Brasil perdem cada vez mais espaço. Hoje, representam apenas 16,7% das vagas oferecidas no Vestibular, enquanto o ensino privado concentra 83,3%. Em 1991, as universidades públicas tinham 31,5% das vagas. Se o plano emergencial sair do papel, essas instituições poderão receber um reforço de caixa de mais de R$ 2 bilhões por ano.
Uma das propostas preparadas pelo grupo interministerial que analisou a situação da nossa Universidade é a possibilidade de transferir os encargos com docentes e técnicos-administrativos aposentados da Instituição para a União. Se a proposta for aceita pelo Governo, poderá até mesmo sobrar dinheiro para a contratação de 28 mil novos docentes e técnicos-administrativos — outro ponto que está listado entre as ações emergenciais.
Hoje, os gastos com pessoal inativo representam 35% da folha da Instituição, podendo chegar este ano a R$ 2,7 bilhões. Com a corrida às aposentadorias após a reforma da legislação previdenciária, o valor deve aumentar.
A proposta não é exatamente nova. Os professores universitários são a única categoria de servidores federais que, mesmo quando inativos, continuam sendo pagos pelo ministério de origem, já que a Constituição Federal obriga a aplicação de 10% da receita federal na área de Educação. Incluindo o pagamento dos aposentados nessa conta, o Governo precisa gastar menos com a Educação. O estratagema foi considerado um drible à lei pelo grupo interministerial.
A entrada de recursos novos poderia solucionar boa parte da crise e das queixas dos reitores das 52 IFES. Quadro de professores e técnicos reduzido e insuficiente para atender maior oferta de cursos (e vagas noturnas), escassez de material, de salas de aula, contas de água, energia e telefonia atrasadas, necessidade de reformas e reparos estruturais são os problemas emergenciais apontados pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) e referem-se, basicamente, à escassez de recursos. A proposta da comissão interministerial apresentada ao Governo reconhece essa necessidade e aponta a retirada dos gastos com o pessoal inativo da folha de pagamento do Ministério da Educação (MEC) como uma das possibilidades, mas nada garante.
Há necessidades e também há idéias sobre onde conseguir dinheiro. Se vai ter ou não recursos, isso é uma decisão mais ampla, de acordo com a estabilidade monetária que terá de se manter e com outras prioridades do Governo.
A Andifes fez sua própria conta do que a Universidade Brasileira precisa. Seriam cerca de R$ 800 milhões por ano para custeio e outros R$ 250 milhões por ano, pelos próximos cinco anos, para recuperação da infra-estrutura. Hoje, o orçamento de custeio — que paga contas, material e diárias, por exemplo — está em R$ 525 milhões. A Andifes conseguiu mais uma emenda orçamentária de R$ 226 milhões, para 2004, no Congresso Nacional - a chamada emenda Andifes -, que normalmente chega com atraso. “Precisamos recompor urgentemente nosso orçamento para que dê conta dos gastos atuais e garanta fôlego à universidade para cumprir o plano de expansão que apresentamos ao presidente da República”, diz a presidente da Andifes, Professora Wrana Panizzi.
O plano emergencial do Governo propõe garantir recursos, abrir concursos para repor docentes e técnicos-administrativos, também, dar mais autonomia às universidades para que façam a sua própria captação de recursos. Abre ainda a possibilidade de contribuições voluntárias para a Universidade baseadas em incentivos fiscais — o que permitiria à Instituição receber doações em dinheiro e não apenas em material, como acontece hoje. E inicia, ainda, a discussão sobre contribuições não-voluntárias, especialmente de ex-alunos.
Dados da última década (1991/2000) pesquisados pelo Instituto Nacional de Estatísticas e Pesquisas em Educação (Inep) mostram o quanto a Universidade Pública Brasileira perdeu espaço para as faculdades particulares. O número de IFES — incluindo-se aí tanto as federais quanto as estaduais e municipais — que era de 222 em 1991, caiu para 195 em 2002. Chegou a estar em 176 em 2000, mas voltou a subir nos anos seguintes. Em compensação, o número de faculdades privadas passou de 671 em 1991 para 1.442 em 2002.
Além do número de estabelecimentos, cresceu também o número de vagas oferecido no ensino particular. Apesar do número de cursos oferecidos ter aumentado em torno de 20% nos dois casos, estes estabelecimentos de ensino particular tendem a oferecer mais vagas, em mais de um turno, enquanto a capacidade da Universidade Pública em atender a mais estudantes continua limitada. Existem, hoje, 9.147 cursos nos estabelecimentos particulares e 5.252 nas Instituições Públicas Superiores de Ensino, incluindo federais, estaduais e municipais.
Em 1994, boa parte dos estabelecimentos privados (32%) tinha menos de dois mil alunos. Hoje, 48,5% delas têm mais de dez mil alunos, apesar de, na média, oferecerem menos cursos por estabelecimento. As Universidades Públicas, além da melhor qualidade comprovada pelas pesquisas e pelo Exame Nacional de Cursos têm, em média, 32 cursos. Os estabelecimentos particulares de ensino têm seis cursos em média.
Ainda assim, a Universidade Pública concentra 52% das inscrições no exame Vestibular. Isso faz com que haja quase dez candidatos para cada vaga no exame Vestibular da Universidade Pública Federal, Estadual ou Municipal. Já nos estabelecimentos particulares, há apenas 1,6 candidato por vaga. Em alguns casos, os estabelecimentos de ensino privado fazem diversas chamadas e promoções – como foi o caso do Unicentro Newton Paiva (de Belo Horizonte), que realizará um segundo concurso Vestibular neste segundo semestre, para a metade dos cursos ofertados -, para tentar conseguir completar o número de alunos por turma de alguns cursos. (Wladmir Álvaro Pinheiro Jardim)