Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

sábado, setembro 24, 2011

Apostando no voluntarismo

RIO DE JANEIRO (RJ) – NENHUMA nação no mundo está imune ao agravamento da crise econômica na Europa e nos Estados Unidos da América (EUA) e a agitação no mercado brasileiro de câmbio é mais um lembrete dessa situação simples e incontornável. O Brasil não quebra mais, disse há poucos dias a presidente da República, Dilma Wana Rousseff (PT-RS). Esse risco parece mesmo afastado por um bom tempo - o suficiente, pelo menos, para o governo provar na prática seu compromisso com a austeridade fiscal e a prudência. O Brasil tem mais de US$ 350 bilhões de reservas, um sistema financeiro sólido e contas externas administráveis, apesar do buraco em transações correntes. Mas é bom levar em conta o risco de novos choques externos e o alerta do Fundo Monetário Internacional (FMI). "Estamos de volta à zona de perigo", disse o diretor do departamento financeiro do FMI, José Viñals, ao apresentar o Relatório de Estabilidade Financeira Global.

A CRISE de confiança recrudesceu nos mercados financeiros, a recuperação econômica perdeu impulso e o risco de grandes perdas para os bancos voltou a crescer. Os grandes fatores de instabilidade estão nos EUA e na Europa, mas as dificuldades do mundo rico podem atingir também os países em desenvolvimento.

COM certeza a redução do crescimento econômico será apenas um dos efeitos possíveis do contágio, segundo os especialistas do FMI. A nova fase da crise econômica internacional nos países desenvolvidos, mesmo sem recessão, tende a limitar a expansão do comércio e da produção em várias partes do mundo. O contágio pode também afetar a segurança do sistema financeiro, dificultando o levantamento de recursos no mercado internacional. Riscos poderão ser especialmente severos em países caracterizados pela rápida expansão do crédito - como no Brasil, por exemplo.

POR hora é relevante levar em conta o perigo de uma reversão do fluxo de capitais. Países emergentes têm recebido grandes volumes de investimento estrangeiro, que complementam a poupança interna, mas contribuem para a valorização das moedas locais - como o real -, diminuindo o poder de competição dos produtores nacionais. Esse efeito é indesejável, mas, em contrapartida, o capital estrangeiro tem compensado os déficits na conta corrente do balanço de pagamentos.

E UM repentino desvio do capital para outras aplicações - como papéis do Tesouro norte-americano - pode aumentar a vulnerabilidade externa dos países deficitários. Esse efeito pode ser ampliado perigosamente por uma queda de cotações dos produtos básicos - importantes para o Brasil. Uma desvalorização da moeda, embora torne a produção nacional mais competitiva, pode ser insuficiente para neutralizar os efeitos negativos da crise internacional.

O GOVERNO do Brasil preocupou-se especialmente com os efeitos da desaceleração da economia mundial, quando resolveu reduzir os juros básicos de 12,5% para 12%. Parece haver dado peso muito menor aos outros riscos decorrentes do agravamento da crise no mundo rico. O Poder Executivo e a autoridade monetária do País - o Banco Central do Brasil (BC) -, redistribuíram o peso da política de estabilização, dando ênfase ao controle fiscal e reduzindo a importância da política monetária. Com maior controle das contas públicas, a economia poderia funcionar com juros menores. O risco de inflação seria diminuído pela gestão mais severa das finanças públicas e pela depreciação dos preços internacionais dos produtos básicos.

NO entanto sobram bons motivos para preocupação. Para começar, o BC cortou os juros antes de uma efetiva mudança na política fiscal. O aumento da meta do superávit primário deste ano foi facilitado pelo grande aumento de arrecadação e de nenhum modo confirma o compromisso com a contenção de gastos. Em segundo lugar, a demanda interna continua vigorosa, favorecida pela expansão do emprego, pelo aumento real dos salários e pela grande disponibilidade de crédito. Esses fatores prenunciam a continuidade de pressões inflacionárias e de uma forte demanda de importações. Em terceiro, o País continua carente de uma efetiva política de competitividade.

TODAS medidas tomadas até agora, em todos esses campos da política econômica, revelam mais voluntarismo do que prudência e planejamento.