Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

sexta-feira, julho 30, 2010

A dança das pressões

NOVA YORK (EUA) - MAIS de 8 mil soldados da Coreia do Sul e dos Estados Unidos da América (EUA), a bordo de 20 belonaves, 200 jatos de combate e o porta-aviões USS George Washington - um dos mais modernos da frota norte- americana -, participam de grandes exercícios militares nas águas do Mar Amarelo, entre o Japão e a Península Coreana. A ideia original de realizá-los no trecho que separa a China e a península foi abandonada depois de vigorosos protestos do governo de Pequim.


ESTA operação, chamada Espírito Invencível, se destina a transmitir à Coreia do Norte a mensagem de que o governo dos EUA está determinado a apoiar irrestritamente o aliado sulista, agora que as tensões na região tornaram a se agravar. A nova crise foi desencadeada pelo torpedeamento da corveta sul-coreana Cheonan em 26 de Março deste ano, com a morte de 46 marinheiros. Uma comissão internacional de investigação constituída pelo governo da Coreia do Sul culpou o governo da Coreia do Norte pelo ataque imotivado.


O GOVERNO norte-coreano negou a acusação e respondeu com uma estridente sequência de ameaças. A tréplica tomou a forma de um "coreografado espetáculo de pressões", no dizer de um observador, contra o regime feudal-nuclear do presidente norte-coreano, Kim Jong-il, cuja saúde é precária. O endurecimento norte-coreano, aliás, é atribuído à disputa entre os hierarcas da ditadura pelo trono que poderá ficar vago em breve.


A DEMONSTRAÇÃO foi precedida da decisão norte-americana de impor novas sanções econômicas unilaterais à Coreia do Norte. Elas foram anunciadas pela secretária de Estado Norte-Americano, Hillary Clinton, em sua segunda visita ao Leste da Ásia em dois meses. Em Maio deste ano, sintomaticamente acompanhada do comandante da frota norte-americana no Pacífico, almirante Robert Williard, Hillary foi a Pequim para insistir com o presidente da República Socialista da China, Hu Jintao, no imperativo de o Conselho de Segurança (CS) da Organização das Nações Unidas (ONU) punir a agressão ao Cheonan com a aplicação de sanções. Foi inútil. O governo da China, que sustenta a mais fechada tirania do globo, conseguiu que o CS condenasse o torpedeamento sem mencionar a Coreia do Norte.


AGORA, ainda na última Quarta-feira, 28, desta vez em companhia do secretário de Defesa Robert Gates, Hillary escolheu Panmunjom, na chamada zona desmilitarizada entre as Coreias, onde guardas dos dois países se encaram a pouca distância e perscrutam com binóculos as instalações inimigas, para lembrar os 60 anos do início da Guerra da Coreia (1950-1953). O conflito, em que tropas norte-americanas e chinesas ficaram frente a frente, deixou a península dividida em dois países que permanecem apenas em trégua.


O SIMBOLISMO não poderia ser mais óbvio: o governo dos EUA declaravam que a sua solidariedade a Coreia do Sul permanecia a mesma de mais de meio século atrás. "Nossa aliança militar (com a Coreia do Sul) nunca foi tão forte e capaz de deter qualquer agressor", advertiu Gates. Menos nítido foi o conteúdo propriamente dito das sanções adicionais norte-americanas. Hillary declarou que o governo dos EUA vai apertar o cerco em torno do comércio de armas, bem como à circulação de dinheiro e produtos de luxo (falsos) produzidos na Coreia do Norte e (autênticos) importados por Pyongyang para a sua nomenklatura.


OS ALVOS são "a liderança norte-coreana e seu patrimônio", disse Hillary. "Visam às políticas desestabilizadoras, ilícitas e provocativas daquele governo”. A pergunta que os analistas se fazem é que efeito podem ter essas punições para um regime que já é o mais isolado do mundo. Por ter realizado testes nucleares e lançado um míssil de alegado longo alcance, a Coreia do Norte sofreu sanções do Conselho de Segurança da ONU em 2006 e 2009. As mais recentes autorizam a abordagem de cargueiros a caminho ou vindos do país para verificar se transportam materiais para armas de destruição em massa.


O RELEVANTE, em todo caso, não é tanto o efeito das novas medidas em Pyongyang, mas em Pequim. Claro que as importantes relações econômicas e financeiras entre os EUA e a China limitam a exasperação mútua com as políticas de cada qual para a Coreia do Norte. A atitude chinesa, desde o episódio do Cheonan, tem sido a de pedir contenção às partes envolvidas. Resta saber se o governo da China conterá a tentação do aliado de retaliar o governo da Coreia do Sul pelas manobras navais conjuntas com as Forças Amardas dos EUA.