Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

terça-feira, outubro 09, 2012

O círculo do “cobertor curto”

SÃO PAULO (SP) – AGORA é fato que a crise econômica tem feito estragos severos nas contas públicas nacionais, ainda em estado muito melhor que as do mundo rico, mas em visível deterioração nos últimos meses. Com a economia brasileira crescendo bem menos que a economia dos demais países emergentes e perdendo a corrida até para a economia norte-americana, atolada numa gigantesca dívida federal, o Brasil tem perdido fontes importantes de geração de tributos. De Janeiro a Agosto, o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) rendeu apenas R$ 30,7 bilhões, 2,2% a mais que em igual período de 2011. O governo federal arrecadou em oito meses R$ 691,9 bilhões, 7,2% mais que um ano antes, mas gastou 12,2% mais que nos meses correspondentes do ano anterior. Dividendos de empresas públicas e estatais bem maiores que os dividendos do ano passado ajudaram a reforçar a posição do Tesouro Nacional (TN) e o recurso a esse expediente deve intensificar-se até o fim do ano.



A REDUÇÃO de juros, alardeada como uma das grandes metas da presidente da República, Dilma Wana Rousseff (PT-RS), permitiu a redução dos custos financeiros, mas, apesar disso, o buraco total das contas públicas aumentou nos últimos meses. Entre Março e Agosto, a despesa com juros dos três níveis de governo - valor acumulado em 12 meses - diminuiu de R$ 236,7 bilhões para R$ 224 bilhões, passando de 5,6% do Produto Interno Bruto (PIB) para 5,2%. Mas o déficit nominal (incluídos os gastos com juros) cresceu de 2,4% para 2,7% do PIB nesse intervalo. Essa evolução, estranha à primeira vista, é facilmente explicável.



A CORREÇÃO da dívida de Estados e Municípios foi uma das causas. A outra, mais importante, foi a piora das contas primárias, isto é, do resultado de receitas e despesas antes do pagamento de juros.



ENTRE Março e Agosto, o superávit primário acumulado em 12 meses por todo o setor público diminuiu de 3,2% do PIB para 2,5%. No caso do governo federal, a redução foi de 2,4% para 1,8%. Isso inclui uma ligeira piora no déficit das contas da Previdência e Seguridade Social, mas a causa principal foi mesmo a deterioração das demais contas do governo federal.



NÃO há como mexer nas contas da Previdência e Seguridade Social, depois de fixado o aumento dos benefícios. A partir daí, a despesa evolui de forma quase automática, apenas afetada pelo aumento ou pela redução dos empregos formais. Os contratos com carteira assinada continuaram aumentando neste 2012, embora menos que em 2011, e essa evolução positiva reforçou as contas previdenciárias, ou, pelo menos, impediu uma deterioração maior.



O AUMENTO salarial dos funcionários públicos federais resultou numa expansão dos gastos - apenas 3,3%, em termos nominais. EM 2013 o quadro será muito menos benigno, por causa dos aumentos salariais concedidos aos servidores públicos federais neste ano. A folha de salários e encargos é uma das despesas dificilmente comprimíveis no curto prazo, porque os vencimentos são legalmente irredutíveis e os funcionários são normalmente estáveis. É um problema semelhante ao dos gastos da Previdência e Seguridade Social.



O GOVERNO federal reforçou suas contas com R$ 16,1 bilhões de dividendos pagos por empresas públicas e estatais, valor 26,7% maior que o valor de um ano antes. Em 2011 o Tesouro Nacional já havia recorrido a dividendos para reforçar as contas e garantir o cumprimento da meta fiscal. Em 2012, no entanto, esse expediente é mais importante. Até o fim deste ano a contribuição das empresas públicas e estatais deve chegar a R$ 29 bilhões, um número recorde que aparece na revisão bimestral de execução orçamentária.



A ECONOMIA brasileira cresceu 2,7% em 2011. Deve crescer menos de 2%, segundo as novas contas do próprio Ministério do Planejamento Orçamento e Gestão. O Banco Central do Brasil (BC) acaba de publicar uma previsão de 1,6%, muito parecida com aquela previsão externada pelo mercado financeiro. O resultado abaixo de medíocre é explicável essencialmente pelo mau desempenho da indústria de transformação. Mais uma vez, segundo os economistas do BC, a expansão do comércio varejista é bem maior que a expansão do setor manufatureiro. Ou, como afirmam os técnicos da Confederação Nacional da Indústria (CNI): o esquema de crescimento baseado no estímulo ao consumo está esgotado. Com grande atraso, o governo parece haver descoberto esse fato.



A ESTAGNAÇÃO da indústria, resultado de um erro de estratégia, reflete-se agora, com toda força, nas finanças do governo brasileiro. O círculo completou-se.