Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

sábado, fevereiro 02, 2013

Viver parece perigoso

COZUMEL (MÉXICO) – COM o Brasil no fundo da cena, meio envergonhado e quase escondido, Rússia, China, Índia e África do Sul foram presenças importantes na reunião deste ano do Fórum Econômico Mundial, em Davos. O primeiro chefe de governo a se apresentar no primeiro dia do encontro, numa sessão especial, foi o primeiro-ministro russo, Dmitri Medvedev. O primeiro debate, aberto duas horas e meia antes, havia sido sobre a economia chinesa. Acadêmicos, empresários e representantes do governo chinês - muitas vezes do mais alto escalão - costumam bater ponto na cidade, onde indianos estão sempre envolvidos em grandes eventos do Fórum ou paralelos ao programa oficial. O presidente da República da África do Sul, Jacob Zuma, foi escalado para um debate. Só o B do Brics ficou fora do jogo. Sua diplomacia terceiro-mundista, moldada segundo padrões de centro acadêmico e obediente ao esquerdismo provinciano patrocinado pelo Partido dos Trabalhadores (PT), prefere esnobar Davos. Se essa ingenuidade fosse inofensiva, seria digna de pena. Mas tem prejudicado o País há muito tempo.



REPRESENTANTES do Fórum lamentaram a ausência da presidente da República, Dilma Wana Rousseff (PT-RS). Ela pôde usar como desculpa a reunião dos sul-americanos, no Chile, com representantes da União Europeia (UE). Mas a história é outra. No ano passado, o ministro de Estado das Relações Exteriores, Antonio Patriota, explicou a atitude do governo brasileiro. Segundo ele, Davos atrai quem procura exposição e afirmação no plano internacional. Naquele ano, o secretário do Tesouro e o principal negociador comercial dos EUA estavam em Davos. Nenhum outro ministro de Estado brasileiro havia aparecido.



AGORA, este ano, a lista de figuras em busca de projeção internacional na estação de esqui de Davos foi enorme. Para citar só algumas, além de Medvedev: a chanceler alemã, Angela Merkel, o primeiro-ministro italiano, Mario Monti, o ministro de Estado da Economia do Japão, Toshimitsu Motegi, o presidente do Banco Central Europeu (BCEU), Mario Draghi, o líder da maioria na Câmara de Representantes dos Estados Unidos da América (EUA), Eric Cantor, a diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Christine Lagarde, o diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), Pascal Lamy, o presidente do Banco Central de Israel e ex-vice diretor-gerente do FMI, Stanley Fischer, o primeiro-ministro do Egito, Hisham Mohamed Kandil, vários outros governantes do mundo árabe e dirigentes de várias das maiores empresas do mundo, além de acadêmicos renomados. O vice-presidente sênior da escola central de formação do Partido Comunista Chinês (PC), Li Jintian, esteve entre os participantes.



ALGO mais do que a neve de Janeiro, por aquelas bandas, deve ter atraído a Davos o líder republicano nos EUA, Eric Cantor, e o vice-presidente da escola central do PC chinês, além de governantes de instáveis países da Primavera Árabe. Também deve ter sido o caso de dirigentes de países endividados e grandes banqueiros. O fascínio da globalização neoliberal, hoje em crise, parece uma resposta insuficiente. Para o bem ou para o mal, o Fórum em Davos sempre funcionou como espécie de vitrine, tribuna e ponto de encontro de grandes interesses entre as nações que praticam a economia de mercado.



O BRASIL foi oficialmente representado pelo presidente do Banco Central do Brasil (BC), Alexandre Tombini, e por dirigentes da companhia Petróleo do Brasil (Petrobrás S/A) e alguns funcionários de segundo e terceiro escalões do governo Rousseff (2011-14). Os poucos representantes do setor privado, como o presidente da Empresa Brasileira Aeronáutica (Embraer S/A), Frederico Curado, têm mais peso no cenário internacional que a maior parte dos enviados oficiais.



A ESCASSA presença do governo é explicável pela deterioração da política externa. Os governos de parceiros estratégicos eleitos pela diplomacia petista, como Rússia, China, Índia e África do Sul, livraram-se da ilusão terceiro-mundista. Quanto à pequena participação do setor privado, combina com a tradição comercial brasileira. Boa parte do empresariado se acomodou e acha que é muito melhor produzir mercadorias caras e de qualidade precária para um mercado interno protegido, porém limitado, que batalhar por oportunidades muito maiores no mercado global, Muitos desses empresários jamais devem ter lido João Guimarães Rosa, mas todos conhecem a mais citada de suas frases: "Viver é perigoso". Não encontrariam melhor parceiro que um governo empenhado em aplicar estratégias dos anos 1950 a uma economia do século 21.