Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

segunda-feira, dezembro 03, 2012

O padrinho da gangue

NESSES dias de turbulências para a gestão pública federal petista, mais de uma vez o ex-presidente da República, Luiz Inácio da Silva (PT-SP) tem dito a pessoas de sua confiança que se sentia "apunhalado pelas costas" por outra pessoa de sua confiança, a então chefe do Escritório da Presidência da República em São Paulo (SP), Rosemary Nóvoa de Noronha (PT-SP), a Rose.



SECRETÁRIA do companheiro José Dirceu (PT-SP), durante 12 anos, da década de 1990 até a ascensão do Partido os Trabalhadores (PT) à Presidência da República, Luiz Inácio da Silva a empregou na representação do governo federal na Capital paulista. Dois anos depois, em 2005, entregou-lhe a chefia da repartição. No último dia 23, ela e José Weber Holanda, o sub do advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, foram indiciados pelo Departamento de Polícia Federal (DPF), no curso da “Operação Porto Seguro”, pela participação em um esquema de venda de facilidades instalado em sete órgãos federais.



É OBVIO que Dirceu, recentemente condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) como chefe do maior esquema de corrupção da história do País, também, se diz surpreso com mais este esquema criminoso no governo do Partido dos Trabalhadores.



O FATO é que indiciamento no inquérito policial alcançou 11 outros ocupantes de cargos públicos, além do notório ex-senador Gilberto Miranda (PMDB-CE). Cinco pessoas foram presas, entre as quais três irmãos, o empresário Marcelo Rodrigues Vieira, um diretor da agência reguladora da aviação civil (Anac), Rubens Carlos Vieira, e outro da agência de águas (ANA), Paulo Rodrigues Vieira - ambos patrocinados pela amiga de Luiz Inácio da Silva.



O DPF devassou o apartamento de Rose e o gabinete de Holanda. No dia seguinte, a presidente da República, Dilma Wana Rousseff (PT-RS), afastou de suas funções os diretores das agências (tendo mandato aprovado pelo Senado Federal, eles não podem ser demitidos sumariamente) e mandou abrir processo disciplinar contra eles. O caso da nomeação de Paulo Rodrigues, tido como chefe da gangue e também chegado a Luiz Inácio da Silva e a Zé Dirceu, é um capítulo de livro de texto sobre a esbórnia no Estado sob o governo petista e a serventia de seus aliados nos altos círculos do poder nacional.



AH! Nas gravações do DPF autorizadas pela Justiças encontram-se ainda as impressões de tráfico de influência e corrupção que pesam contra outra figura do Mensalão condenada pelo STF, o deputado federal Valdemar da Costa Neto (PR-SP).



SUBMETIDA ao Senado Federal, como requerido, a indicação de Paulo Rodrigues para a ANA começou mal e seguiu pior. A primeira votação terminou empatada. Na segunda, o nome foi rejeitado por um voto de diferença. Se os mandachuvas da República se pautassem pela decência, a história terminaria por aí. Não terminou porque, contrariando até mesmo um parecer da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal, o seu presidente senador José Sarney (PMDB-AP) ordenou uma terceira votação da qual o afilhado de Rose saiu vencedor por confortável maioria. A essa altura, 2010, estava para mudar a sorte da madrinha - cuja influência derivava diretamente de sua intimidade com Luiz Inácio da Silva, a quem, aliás, acompanhava nas viagens ao exterior, não se sabe bem para fazer o que. Eleita dona Rousseff, que só a manteria no posto em São Paulo para não criar caso com o padrinho político, Rose tentou em vão conseguir uma boquinha em Brasília (DF). O imponderável fez o resto.



EM um dia de Março de 2011, um servidor do Tribunal de Contas da União (TCU) procurou o Departamento de Polícia Federal para se confessar. Contou que aceitara uma propina de R$ 300 mil, dos quais já havia recebido um adiantamento de R$ 100 mil, para produzir um parecer técnico sob medida para uma empresa que atua no Porto de Santos (SP). Além disso, Paulo Rodrigues Vieira falsificou um documento acadêmico para beneficiar o funcionário. Mas este se arrependeu, devolveu o dinheiro e revelou aos agentes policiais federais o que sabia. O DPF abriu inquérito, obteve autorização Justiça para grampear telefonemas e interceptar mensagens eletrônicas e via web. Do material, emergiu uma Rose que lembra a personagem do samba do grande Chico Buarque de Hollanda que pedia apenas "uma coisa à toa" - no caso, um cruzeiro de Santos a Ilha Grande animado por uma dupla sertaneja, um serviço de marcenaria, uma pequena operação… Claro que ela também empregou uma filha na Anac e o marido na Empresa de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero). Tinha fama de mandona e jeito de alpinista social.



PORÉM, o dono do escândalo é quem deu a Rose o aparentemente inexplicável poder de que desfrutava, a ponto de o Senado Federal comandado por Sarney inovar em matéria de homologação de um futuro diretor de agência reguladora. Ao se declarar "apunhalado pelas costas", agora Luiz Inácio da Silva faz como fez quando o Mensalão veio à tona, e ele, fingindo ignorar a lambança, se disse "traído". Resta saber se, desta vez, tornará a repetir mais adiante que tudo não passou de uma "farsa" - quem sabe, uma conspiração do DPF com a mídia conservadora, a que a sua sucessora no Palácio Planalto afinal sucumbiu.