Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

quinta-feira, setembro 03, 2009

A fim de escarnecer a nossa inteligência

ESTE governo do vosso presidente da República, Luiz Inácio da Silva (2003-10), insiste em ignorar que a mentira tem pernas curtas e que não se pode escarnecer impunemente da inteligência alheia. Se já tivesse aprendido com a própria experiência, o ministro de Estado da Fazenda, Guido Mantega (PT-SP), teria tido a precaução elementar de não brigar com os fatos à vista de todos, como faz agora, poupando-se de um duplo vexame no caso da crise da Receita Federal. De um lado, pela forma leviana como tem se manifestado sobre o conflito sem precedentes em um dos mais importantes setores do Estado nacional. De outro, pelo desmentido - pelos fatos - das suas alegações para justificar a demissão da então titular da Secretaria da Receita Federal, Lina Maria Vieira, em Julho último. Ela foi nomeada por motivos políticos; passados 11 meses, foi removida por motivos políticos.

NÃO dá para subestimar a gravidade da rebelião na Receita Federal do Brasil, que já levou cerca de 60 servidores de elite a entregar os seus cargos. Entre eles, os superintendentes e coordenadores que subscreveram um documento denunciando a "clara ruptura com a orientação e as diretrizes" do órgão na gestão do novo secretário Otacílio Cartaxo. Eles sustentam que o rompimento atingiu o próprio "projeto de atuação do órgão", que dava prioridade à fiscalização sobre os chamados grandes contribuintes. Mantega não apenas qualificou a denúncia como "balela", mas a considerou "uma desculpa para encobrir a ineficiência" da administração Lina Vieira. Com isso, fez o que “O-CARA” queria evitar a todo custo - ou seja, polemizar, ou, como teria dito, "bater boca" com a ex-secretária.

“O-CARA” tem bons motivos para temer que a opinião pública a veja como vítima de humilhações, em represália por haver confirmado rumores de que, em fins do ano passado, foi chamada pela ministra-chefe do Gabinete Civil da Presidência da República, Dilma Rousseff (PT-RS), para uma conversa em que ouviu um pedido para "agilizar" a investigação sobre as finanças do empresário Fernando Sarney, o filho do presidente do Senado, José Ribamar Sarney (PMDB-AP). Rousseff nega o encontro e o pedido. À inconveniência, Mantega acrescentou a balela de declarar que "a Receita está funcionando na normalidade" e que "está se criando a idéia falsa de que há confusão". Não é a primeira vez e decerto não será a última em que “O-CARA” e seu pessoal apelam para a teoria da marolinha, na tentativa de minimizar perante a opinião pública a ameaça de um tsunami.

EM qualquer outro governo menos confiante na inabalável popularidade de seu chefe, o ministro ao qual responde uma instituição da importância do Fisco estaria com a cabeça a prêmio pela incapacidade de prevenir o desastre. Mas não há o que abale a autoconfiança do vosso Guia Supremo. Mantega não vai mudar apenas porque a sua versão, de que Lina Vieira perdeu o lugar porque a sua alegada ineficiência derrubou a arrecadação, acaba de ser desmoralizada por um órgão da própria administração federal - aliás, criticado por sua excessiva fidelidade à ideologia petista. Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) demonstra com números singelos que a arrecadação caiu, como todo mundo sabe, devido à retração da economia e à política de desonerações tributárias para estimular o consumo. No primeiro semestre, a receita da União diminuiu R$ 26,5 bilhões em comparação com o mesmo período do ano passado. Desse total, R$ 15,5 bilhões correspondem às desonerações e compensações tributárias adotadas por empresas como a Petrobrás S/A.

CONTUDO, no imbróglio da Receita Federal, que inclui o episódio da reunião entre Dilma Pinóquio Rousseff e Lina Maria Vieira, as desavenças do governo com a verdade vão além do palavreado de Mantega. Outro dia, instado a dar acesso às imagens do entra e sai no Palácio do Planalto que poderiam provar que a ex-secretária, como assegura, ali esteve para se encontrar com a ministra no final de 2008, o chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, general Jorge Armando Félix, argumentou que as gravações já não existem porque são armazenadas por apenas cerca de 30 dias. A explicação foi posta em xeque. O portal Contas Abertas (na web) revelou que o edital para a contratação da empresa fornecedora dos equipamentos do sistema de segurança palaciano estipulava que os registros deveriam ficar guardados em um banco de dados por 6 meses no mínimo - e, depois, "transferidos definitivamente para uma unidade de backup". Terá o governo descumprido as suas próprias regras ou procura poupar a ministra-pré-candidata Pinóquio de lullismo do confronto com os fatos?