Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

quarta-feira, setembro 15, 2010

Ceticismo sui generis

TERIA razão o prefeito municipal interino de Dourados (MS), o juiz de Direito Eduardo Machado Rocha, ao declarar que o prefeito, o vice-prefeito e 9 dos 12 vereadores daquele município, presos pela Polícia Federal (PF) no dia 1.º deste mês, acusados de corrupção, voltarão a pedir e a receber votos, já que o "povo tem memória curta"? Aparentemente, não. A expectativa é de que o prefeito e seus aliados na Câmara Municipal tenham seus mandatos cassados, como reclama a população da cidade. E, em consequência, desde que sejam condenados pela Justiça, sejam impedidos pela Lei da Ficha Limpa de disputar futuras eleições.

O CETICISMO do prefeito interino, porém, é compreensível em vista da longa fieira de escândalos nos anos mais recentes, entre os quais se destaca o mensalão do Partido dos Trabalhadores (PT) empreendido no governo Luiz Inácio da Silva (2003-10), em que muitos envolvidos, apesar de tudo o que foi apurado e comprovado, puderam pleitear novos mandatos eletivos, à espera de um pronunciamento final da Justiça, que tarda a sair.

ESTE caso de Dourados é singular porque envolveu toda a cúpula administrativa do município, que ficou inteiramente sem comando por alguns dias, em seguida à ação do Departamento de Polícia Federal (DPF), depois de três meses de investigação. Não tendo sobrado ninguém para despachar o expediente, foi preciso levar a autorização para pagamento aos funcionários para o prefeito assinar por detrás das grades. Essa falha foi sanada com a indicação pelo Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul (TJMS) de um juiz de Direito para responder interinamente pela Prefeitura Municipal.

A SITUAÇÃO se complicou, uma vez que o prefeito Ari Artuzi (PDT-MS), hoje preso na Capital, Campo Grande (MS), para onde foi transferido às pressas para resguardar sua integridade física em face da indignação popular em Dourados, se recusa a renunciar. Se ele e o vice renunciassem, seria aberto o caminho para a realização de novas eleições, mas, segundo magistrados mato-grossenses-do-sul, criou-se uma situação "sui generis" e não se sabe o que vai acontecer.

HOUVE crimes, 60 pessoas foram indiciadas pela Justiça e, portanto, haverá julgamento. Normalmente, sendo irrefutáveis as provas contra os acusados - constantes de gravações em vídeo, amplamente divulgadas no País pela TV -, a Câmara Municipal poderia cassar os mandatos do prefeito e do vice. O presidente da Câmara Municipal ou seu substituto legal ficaria respondendo pela administração do município até novas eleições diretas, uma vez que o prefeito eleito não completou metade de seu mandato, que terminaria em 31 de Dezembro de 2012. Mas, como praticamente todos os vereadores estão também envolvidos no escândalo, deu-se o impasse.

ISSO que ocorreu em Dourados mostra como é difícil conter a corrupção na máquina político-administrativa do País. Há quem julgue que, como foi o TJMS que determinou a substituição do prefeito pelo juiz da comarca, houve uma intervenção "de facto". Nesse caso, o prefeito interino poderia permanecer no cargo até o término do mandato de Artuzi, se até lá não houver pronunciamento final da Justiça.

O COMPLICADOR dessa situação é o fato de os nove vereadores que foram flagrados recebendo propinas também se recusarem a renunciar aos seus mandatos. Os três restantes, obviamente, não podem cassá-los. Os edis presos pela PF foram soltos e retornaram à Câmara Municipal, como se nada tivesse acontecido, o que provocou tumulto na sessão da última Quinta-feira, 09, tendo um vereador sido atingido por uma sapatada.

UMA vez que o processo é volumoso - são 60 os indiciados, inclusive controladores e administradores de empresas prestadoras de serviço ou fornecedoras, acusados de praticar licitações fraudulentas - demorará a sair a decisão final da Justiça. Enquanto a situação não se define, o prefeito interino determinou um levantamento dos prejuízos, que poderão chegar a R$ 300 milhões. Segundo as investigações do DPF, configura-se um perfeito mensalão do PDT: cada um dos vereadores indiciados recebia, em média, propinas de R$ 170 mil por mês e o prefeito, R$ 500 mil. O Ministério Público (MP) lacrou salas do prédio da Prefeitura onde possam existir novas provas e o prefeito interino, por medida de precaução, mandou trocar as fechaduras das portas - que há muito estavam arrombadas