Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

quinta-feira, setembro 20, 2012

Virou pizzaria

ESSA Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), instalada no Congresso Nacional, e que investiga as relações do contraventor penal goiano Carlinhos Cachoeira com políticos e empresários, decidiu suspender seus trabalhos até o próximo 09 de Outubro - menos de um mês antes de sua conclusão, em 04 de Novembro. A comissão, disse o seu vice-presidente, deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP), não pode se deixar "contaminar" pelas eleições municipais de 07 de Outubro. O fato, porém, é que a decisão praticamente sepulta a comissão, sem que ela tenha analisado dados que poderiam esclarecer a amplitude do esquema que envolve a Delta Construtora Ltda e outras empreiteiras com negócios com o governo federal.



ESTE cheiro de "pizza" no ar ficou mais forte em meados de Agosto último, quando a CPMI adiou a votação de requerimentos para a quebra do sigilo bancário de empresas de fachada que receberam cerca de R$ 220 milhões da Delta Construtora Ltda, a principal empreiteira envolvida nas obras do governo federal no âmbito do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Segundo investigações do Departamento de Polícia Federal (DPF), essas empresas, no Rio de Janeiro e em São Paulo, teriam intermediado o repasse ilegal de recursos públicos para campanhas eleitorais. A retomada dos trabalhos da Comissão, em 09 de Outubro, não deixaria tempo útil para a quebra do sigilo, uma vez que o prazo para que as informações bancárias cheguem à CPMI é de cerca de um mês.



TODO o esforço dos integrantes governistas da CPMI foi no sentido de limitar o caso somente às relações da Delta Construtora com Cachoeira, e apenas na Região Centro-Oeste - para atingir o governador do Estado de Goiás, Marconi Perillo (PSDB-GO), cujo nome aparece nas escutas telefônicas referentes ao escândalo. Cachoeira seria o "sócio oculto" da Delta Construtora e teria distribuído propinas para favorecê-la em Goiás, e Perillo é acusado de ter cobrado uma "comissão" da Delta Construtora para que seu governo pagasse o que devia à empreiteira, numa transação intermediada pelo contraventor. Esse deverá ser o enredo do relatório final da comissão.



COM a suspensão de suas atividades, a CPMI confirma sua irrelevância. As duas consequências mais importantes da investigação do escândalo até aqui não nasceram das sessões inquisitivas do Congresso Nacional. Carlinhos Cachoeira está preso graças exclusivamente ao trabalho do DPF e Demóstenes Torres - o parlamentar que vituperava contra corruptos no plenário do Senado Federal enquanto recebia mimos de Cachoeira em troca de sua influência política - teve seu mandato cassado em vista do que o DPF descobriu.



AO seu favor, diga-se que a CPMI teve ao menos um momento esclarecedor, quando Luiz Antonio Pagot, ex-diretor do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), contou, com a maior sem-cerimônia, que arrecadou para a candidatura de Dilma Wana Rousseff (PT-RS) à Presidência da República em 2010, cerca de R$ 6 milhões em doações de empresas contratadas pelo órgão. Pagot admitiu que não foi lá muito "ético" em sua empreitada.



NÃO se esperava mesmo grande coisa de uma CPMI que nasceu em boa medida graças ao desejo petista de fazer um contraponto à exploração política do caso do Mensalão no Supremo Tribunal Federal (STF). A ideia era constranger os peessedebistas, por meio do cerco a Perillo, e desacreditar o autor da acusação do Mensalão no STF, o procurador-geral da República Roberto Gurgel, ao dizer que ele ajudou a atrasar o processo contra Cachoeira e Demóstenes.



PARA o Partido dos Trabalhadores (PT), uma parte de seus objetivos foi atingida, porque provavelmente um dos poucos "graúdos" a serem citados no relatório final da CPMI será o governador de Goiás, filiado ao oposicionista Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) - poupando ao governista e fisiológico Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), que por muitos anos governou aquele Estado onde já operava Cachoeira e sua quadrilha; e outros aliados do governo Dilma Rousseff (2011-14) que também têm negócios e relações íntimas com a Delta Construtora, como o governador do Estado do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral Filho (PMDB-RJ).



DIANTE disso, o vexame de uma CPMI onde quase todos entram mudos e saem calados não é surpresa. Com tão inequívocas evidências de ilegalidades manufaturadas com dinheiro público, numa rede de corrupção cuja superfície foi apenas arranhada pelas investigações, saber que graças a um conluio político nada disso será objeto de escrutínio dá a esta "pizza" um sabor especialmente amargo.