Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

segunda-feira, agosto 09, 2010

Vida longa em Paraty

PARATY (RJ) - ENCERRADA ontem a Festa Literária de Paraty (Flip) é a melhor novidade do panorama cultural brasileiro dos últimos dez anos, sujeita, até pelo sucesso, a não receber apenas aplausos. Contudo, na edição 2010 – que se estendeu desde a última Quinta-feira, 05, algum contratempo pontificou acima da média de outras edições do evento.

RESTANDO dois meses para as eleições deste ano, em que peessedebistas e petistas contrapõem lançando mão de artifícios nem sempre nobres em busca da vitória, a curadoria da Flip escolheu o sociólogo, escritor e ex-presidente da República (1995-2002), Fernando Henrique Cardoso (PSDB-SP) para a conferência de abertura sobre a obra do memorável escritor, historiador e sociólogo Gilberto Freyre. Não deu outra, aconteceu uma manifestação político-partidária em frente à Tenda dos Autores. Uma dezena de presentes protestou contra o ex-presidente da República e presidente de Honra do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). Porém, no fim, o intelectual e estudioso da obra de Freyre, Fernando Henrique Cardoso - que se dedicou nos últimos meses a estudar e revisitar a obra do autor de “Casa grande & senzala” como um nerd -, foi aplaudido de pé pela grande platéia reunida no espaço mais nobre da Festa.

ESSE ano ocorreu, ainda, o episódio nebuloso da diretoria da Companhia Petróleo do Brasil (Petrobras) S/A, que não quis patrocinar a Festa Literária de Paraty. A diretoria da companhia pública de energia e combustíveis nega que a recusa tenha sido política, por causa da presença de Fernando Henrique Cardoso (candidato a uma cadeira na Academia Brasileira de Letras – ABL). Contudo, quem conhece o comissariado do petismo que atua na Petrobras S/A desconfia que a história, si non è vero, è bene trovatto…

DEPOIS, sem o patrocínio da Petrobras S/A, abriu-se um déficit no orçamento da Flip. As contas foram fechadas no limite pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro, que patrocinou a quota de R$ 1,3 milhão do evento. Alguns produtores culturais não gostam de a Festa Literária de Paraty depender hoje de uns 60% de verba pública.

TAMBÉM, renderam críticas aos organizadores da Flip por repetirem nomes de convidados de edições anteriores, e ainda ao fato de reunir apenas dez ficcionistas e poetas nacionais. Nosso colega jornalista e escritor Zuenir Ventura (AGÊNCIA O GLOBO/JORNAL O GLOBO) elogiou a realização da Flip (“se trata de um dos mais importantes eventos culturais do país”), mas criticou, em sua coluna (publicada no último Sábado, 07), a “indelicadeza” dos organizadores do evento com o jornalista e poeta Ferreira Gullar (Jornal Folha de S. Paulo), ao comentar que o autor do premiado “Poema sujo” só foi escalado para falar de sua obra na última hora, em substituição ao titular, o escritor italiano Antonio Tabucchi. “O remédio então foi recorrer ao poeta maranhense, que estava à mão”. Gullar, este ano também é candidato a uma cadeira na ABL.

ADEMAIS, contribuiu para o disse-me-disse esta escolha de Gilberto Freyre como homenageado. Até então, os laureados da Festa Literária de Paraty — Vinicius, Guimarães Rosa, Bandeira, Jorge Amado, Clarice Lispector, Machado de Assis e (um pouco menos) Nelson Rodrigues — eram santificados no circuito-literário tupiniquim. Freyre, dizem seus críticos, apoiou o golpe militar de 1964, o governo ditatorial de Antonio de Oliveira Salazar (1932-68) em Portugal, flertou com aspirações antissemitas e, na juventude, até arianas. Contudo, “Casa grande & senzala” está em todas as listas dos dez livros mais importantes deste País. Portanto, esqueçam as firulas. Vida longa para a Festa de Literária de Paraty!