Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

segunda-feira, fevereiro 20, 2012

Só o tempo dirá

RIO DE JANEIRO (RJ) - APÓS declarar constitucional a Lei da Ficha Limpa (LFL), por 7 votos a 4, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) legitimou em boa hora a "saturação do povo com os maus-tratos infligidos à coisa pública", nas palavras do ministro Carlos Ayres Britto, da maioria vencedora, sobre a ira da grande maioria dos brasileiros com a corrupção política. Decerto, o fato de uma lei atender a um justo clamor popular - ou, mais ainda, de ter sido "gestada no ventre moralizante da sociedade" como apontou a recém-empossada ministra Rosa Weber, aludindo ao 1,3 milhão de adesões à iniciativa popular que lhe deu origem - não a torna necessariamente coerente com os princípios constitucionais. No estado de direito, tal sintonia é exigida, por definição, de toda norma adotada pelo Poder Legislativo.

PORÉM, não sendo o direito uma ciência exata, pode-se interpretar de mais de uma maneira a compatibilidade de um texto legal com o arcabouço jurídico do País. E essa avaliação, quando se trata de matérias de manifesto interesse público, dificilmente fica alheia à vontade geral da nação.

O STF, observou a ministra Weber, "não deve ser insensível às aspirações populares". E poucas delas, hoje no Brasil, hão de ser mais compartilhadas que a do fim da impunidade que cresceu a ponto de se transformar em traço constitutivo da vida institucional. Pode-se arguir, é verdade, que leis defeituosas "corrompem o propósito dos legisladores e o próprio direito", conforme ressaltou o ministro José Antonio Dias Toffoli - voto vencido, ao lado de Celso de Mello, Cezar Peluso e Gilmar Mendes.

NO caso da LFL, aprovada em 2010, mas que só passará a valer a partir das eleições deste ano, como decidiu corretamente o mesmo STF em Março do ano passado, há mais de uma provisão que, para os críticos, justificaria as objeções de Toffoli. A principal delas é a da inelegibilidade de quem quer que tenha sido condenado por um colegiado em julgamentos ainda passíveis de contestação, o que atropelaria o princípio da presunção de inocência. Outra é a validade da lei para delitos anteriores à sua promulgação, fazendo-a, portanto, retroagir. Outra ainda é a de barrar candidatos que tenham sido banidos da profissão pelos órgãos que regulam o seu exercício, como os conselhos profissionais, equiparando o ato a uma decisão judicial pelos seus efeitos para a legislação eleitoral.

A MAIORIA dos ministros, no entanto, deixou claro ter entendido que o País está mais disposto a aceitar uma lei moralizadora que peque por severidade do que uma que peque por complacência. Não se pode esquecer, como assinalou o ministro Ayres Britto, que, durante os 16 anos que se seguiram à aprovação da emenda constitucional que determina o exame da vida pregressa de candidatos a cargos eletivos, o Congresso Nacional não moveu uma palha para implantar a medida. "O povo, cansado, desalentado, se organizou sob a liderança de mais de 70 organizações e criou a iniciativa popular", comparou.

E O resultado final é um texto apropriadamente duro. Veta a participação em eleições, por oito anos a contar da sentença definitiva, de condenados por uma extensa relação de crimes (entre outros, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha, atentado ao patrimônio público, improbidade administrativa, corrupção eleitoral, tráfico e racismo).

ESSA inelegibilidade pelo mesmo período se estende aos governantes cujas contas tiverem sido rejeitadas sem apelação pelo Tribunal de Contas da União (TCU), aos servidores públicos demitidos ou aposentados compulsoriamente, e aos políticos que tiverem seus mandatos cassados por seus pares, ou que renunciaram para evitar tal cassação e poder se candidatar de novo na eleição seguinte. Para eles, a exclusão conta a partir da data do término do mandato. Assim, para citar o exemplo mais notório, o ex-senador da República, Joaquim Roriz (PSC-DF), que em 2007 deixou a cadeira no Senado Federal que ocuparia até 2015 para se safar de um processo de cassação, só poderá voltar a se candidatar em 2023. Fez por merecer.

NOSSA esperança é que, já a partir deste ano, a LFL finalmente induza os partidos, por interesse próprio, a excluir os fichas-sujas das listas que estiverem preparando, antes que a Justiça Eleitoral venha a fazê-lo. O tempo mostrará o tamanho do avanço.