Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

sexta-feira, junho 09, 2006

A urna e a Copa

WLADMIR ÁLVARO PINHEIRO JARDIM
BELO HORIZONTE

A conquista do Tricampeonato no Mundial no México em 1970 foi fartamente explorada pelo governo militar. E o presidente da República, àquela época, o general Garrastazu Médici correu o risco de ser responsabilizado, mesmo que ninguém se metesse a besta de fazê-lo abertamente, em caso de derrota. Mas, se o escrete canarinho tivesse sido derrotado na finalíssima, Médici com certeza mereceria o castigo: meteu o bedelho na escalação do time brasilireiro abertamente — com um empenho que beirou o ridículo.

Na confusão, caiu o treinador João Saldanha (que tinha, para os milicos, o duplo defeito de ser inteligente e de progressista) e foi convocado um jogador (Dario “Peito de Aço”), que não chegou a jogar o Mundial.

A foto de Médici comemorando um gol com o radinho de pilha colado no ouvido foi usada e abusada. Mas, no fim das contas, ninguém aferiu se o regime ditatorial militar se beneficiou ou não com a vitória (nem se perdeu pontos com a derrota em 1974): ainda está para ser inventada alguma maneira de medir, com honestidade e eficiência, a popularidade de um regime de exceção.

Em tempos de democracia, já desde 1950, políticos espertos não se arriscam a tentar a ganhar prestígio e votos nessa roleta russa. Naquele ano, quando a vitória parecia certa depois das goleadas arrasadoras na Suécia e na Espanha, a politicagem comeu solta no estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro (ainda, a Capital do País). Dizem as más línguas que teve gente que literalmente se enrolou na bandeira nacional para fazer discursos patrióticos no vestiário, antes do jogo contra a seleção do Uruguai.

Deu no que deu. Mas não há estudos mostrando se o espetáculo bizarro de demagogia foi castigado depois pelo voto popular. Pode ser até que não.

Lembro-me da derrota na Copa da França (1998). Os torcedores não mostravam indignação: estavam literalmente em estado de choque.

Vi muitos chorando, sentados no meio-fio, alguns com exemplares da edição extra de um diário, popular, impressa e vendida antes do jogo, celebrando como já acontecida a inevitável vitória brasileira. Sequer recordo se alguém denunciou esse golpe baixo do jornalismo popularesco.

Na autópsia da derrota, alguns jogadores — Ronaldo e Cafu, principalmente — foram estigmatizados, injustamente. O Brasil tinha apenas perdido um jogo em que o adversário fora mais inteligente e forte.

Enfim, os tempos são outros (arguta constatação, não?). Nesta Copa da Alemanha que iniciou-se na tarde desta Sexta-feira, 09, o vosso presidente da República Luiz Inácio da Silva (2003-6) que se cuide. Sua paixão pelo futebol é conhecida e não tem dado prejuízo maior à sua imagem (principalmente depois que cessaram as peladas dominicais, com pouca bola, muita cerveja e alguma cachaça). Mas a Opinião Pública também é mais atenta do que nos anos de chumbo da ditadura militar ou em 1950 (a falada década de ouro para este País) .
Será boa política não tentar faturar desde já uma possível vitória. Primeiro, porque ela pode não vir. Segundo, porque o eleitor, mesmo nos lendários rincões, está mais maduro: não aceitará que alguém fature nas urnas um êxito que não é seu.