Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

sábado, janeiro 31, 2009

Na caça à moralidade

Tão logo termine a queda de braço entre PT e PMDB pela presidência do Senado, os parlamentares vão se debruçar sobre outro assunto que não deve render disputas: a aprovação de brechas na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Parlamentares, governadores e prefeitos querem a mudança.



Em vigor há mais de oito anos, a LRF tem caráter moralizador. Fixa limites para despesas com pessoal, para a dívida pública, e ainda determina que sejam criadas metas para controlar receitas e despesas. Reza que nenhum governante pode criar uma nova despesa por mais de dois anos sem indicar fonte de receita ou, ao menos, reduzir despesas já existentes. Para quem não a cumpre, a punição mais comum é a suspensão de transferências de recursos da União. Quando nasceu, a Lei foi considerada um freio nas práticas irregulares de administração pública.¬



Não é pedir muito. O próprio Governo federal, porém, considera que é exigir demais. Partiu do Palácio do Planalto a iniciativa de fazer a primeira alteração na LRF desde que ela foi criada, ainda no Governo FH.
Pouca gente se deu conta, mas as tais brechas foram abertas em maio do ano passado, quando a Câmara aprovou uma emenda permitindo que os maus administradores tenham autorização para reestruturar suas dívidas. O texto passou com facilidade na Câmara e não deve encontrar muitas resistências no Senado, até porque os próprios parlamentares já admitem que governadores e prefeitos pressionam para garantir sinal verde para a matéria.



Se for aprovada sem alteração no Senado, a nova regra valerá até para os que descumprirem os limites de gasto com a folha de pagamentos prevista pela LRF - até 60% da Receita Corrente Líquida -, de endividamento e restos a pagar, além dos tetos constitucionais relativos à saúde e à educação. Trocando em miúdos, a mudança flexibiliza a exigência de que União, estados e municípios só tomem empréstimos se todos os seus órgão e Poderes estiverem cumprindo os limites de gastos com o funcionalismo. O descumprimento dessa regra, aliás, é a principal transgressão da LRF.



Apesar das penalidades previstas, 40% dos prefeitos mineiros descumprem as regras, segundo dados do Tribunal de Contas do Estado divulgados em 2008. Talvez por isso, e para tentar dar mais credibilidade à proposta de mudança na Lei, o líder do Governo no Senado, Romero Jucá, apresentou emenda estabelecendo prisão, de um a quatro anos, para quem, em qualquer poder, extrapolar a norma.
A emenda que pode deixar os maus administradores públicos mais à vontade para transgredir é de autoria do ex-líder do Governo na Câmara, Henrique Fontana.


E tem explicação: o Governo tenta se livrar da ameaça de o Tesouro Nacional e o Banco Central ficarem proibidos de contratar operações de crédito. É que o Tribunal de Contas da União vinha alertando o Governo por causa do estouro nos gastos com pessoal do Ministério Público do Distrito Federal, que faz parte da estrutura da União. O órgão superou nada menos do que 90% do limite permitido pela LRF. No frigir dos ovos, ao evitar que a infração de um órgão, em particular, afete todo o ente público, a emenda favorece à União. Mas vai beneficiar todo mundo, como os estados onde o Judiciário ou o MP estiverem também fora dos eixos previstos na atual legislação.¬



O senador pernambucano Jarbas Vasconcelos usou uma frase muito correta para explicar o que estará em discussão a partir da semana que vem. Segundo ele, o Executivo está propondo “um verdadeiro estupro” da Lei. Alguém duvida?