Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

sexta-feira, março 31, 2006

Alhos & bugalhos

WLADMIR ÁLVARO PINHEIRO JARDIM
BELO HORIZONTE


Então, tá então: substitui-se o titular do Ministério da Fazenda, mas não se substitui a política econômica do governo! Mas será? A atual política econômica em voga neste governo Luiz Inácio da Silva (2003-6) tem duas metas explícitas. Para a inflação, a meta é de 4,5% neste ano, com tolerância de dois pontos para cima. Essa margem vale para casos excepcionais, como uma crise internacional. Fora isso, a regra é buscar o ponto central, os 4,5%. Para as contas públicas, a meta anual é fazer superávit primário — economia para pagar juros — equivalente a 4,25% do Produto Interno Bruto (PIB), pouco mais de R$ 80 bilhões. A finalidade é reduzir o endividamento público, hoje acima dos 50% do PIB, valor considerado muito alto. Em condições ideais, não poderia ultrapassar os 40%.

Cumprir a meta de inflação é responsabilidade do Banco Central do Brasil (BC) dirigido por um enredado Henrique Meirelles, que até aqui está dando conta do recado.

Já no caso das contas públicas, responsabilidade final do Ministério da Fazenda, há dúvidas. Os gastos do governo federal vêm se acelerando desde o final do ano passado, quando a ministra-chefe do Gabinete Civil da Presidência da República Dilma Roussef (PT-RS), ganhou a briga com o ex-ministro de Estado da Fazenda Antonio Palocci Filho (PT-SP). Este, baseado em estudos que mostravam um crescimento dos gastos públicos em ritmo muito acima da inflação e do crescimento da economia, propôs um programa de longo prazo de contenção dessas despesas.

Roussef arrasou a idéia e disse que, ao contrário, o governo precisava elevar os gastos — todos eles, sociais, de custeio e de investimentos. Levou. Palocci, já enfraquecido naquela época, não conseguiu opor resistência, por exemplo, ao forte aumento do valor do Salário Mínimo que entrará em vigor a partir de amanhã.

Há conseqüências imediatas. Nos dois primeiros meses deste ano, as despesas do governo federal subiram nada menos que 17% em relação ao mesmo período de 2005. Trata-se de uma expansão exagerada, acima da inflação, maior que o crescimento econômico e superior ao aumento de gastos do ano passado. O superávit primário do primeiro bimestre de 2006 está abaixo da meta, sendo menos da metade do obtido no mesmo período do ano passado.

Mais importante, isso parece não preocupar o novo ministro de Estado da Fazenda, o economista Guido Mantega (PT-SP). Pelo menos não o preocupava antes de se sentar na cadeira de Palocci a partir da última Terça-feira, 28. Quando o secretário do Tesouro Nacional (TN) Joaquim Levy – um técnico remanescente da equipe formada por Palocci - , divulgou no site do Ministério da Fazenda um estudo mostrando o impacto do aumento do Salário Mínimo, Guido Mantega disse que a análise estava errada, que o governo do vosso presidente da República Luiz Inácio da Silva (PT-SP) tinha compromisso com esse gasto social e ponto final.

Agora ministro, Mantega disse em entrevista na tarde de ontem, que vai cumprir a meta de superávit primário (os 4,25% do PIB) e que concorda com as metas de inflação. Disse, aliás, que os dois objetivos são “sagrados”. Mas se a equipe de Palocci acreditava que o grande problema brasileiro está no setor público — que arrecada demais, gasta demais e gasta mal — Mantega está no time de Roussef. Isto é, acha que o gasto público pode e deve aumentar. Com que disposição ele vai cuidar do cofre?

Quanto às metas de inflação, o vosso presidente-candidato Luiz Inácio da Silva se apressou a dizer que o BC é autônomo para cuidar disso. Mantega reafirmou que considera os juros atuais excessivos e se saiu com esta: se a inflação está controlada, nada impede a queda mais acentuada dos juros.

É outro ponto de forte divergência. A equipe do BC, liderada por Meirelles, responderia: ora, a inflação está sob controle justamente porque os juros são elevados. Ou, melhor, o BC não admitiria o termo “elevados”. Diria que os juros estão no nível necessário para conter a inflação.

Trata-se de divergência não muito explícita. Para a equipe do BC, os juros não podem cair mais rapidamente por causa, entre outros fatores, do excesso de gasto público, que é inflacionário. Se somado a isso o aumento do gasto privado, de consumo e investimento, é inflação na veia meu irmão!

Mantega acha essa tese uma “forçação de barra”.

Mas, pode-se dizer, a questão dos juros ficou com o BC, que vai garantir o cumprimento da meta da inflação. E o BC já está reduzindo juros, de modo que tudo se ajeita, certo?

Errado. Os técnicos do BC certamente vão suspender a redução dos juros num nível que Mantega e Roussef considerarão muito elevado. E aí? Fica por isso mesmo? Tudo considerado, a política econômica de fato não muda no que se refere às metas oficialmente fixadas. Mas já mudou no que se refere a um fundamento essencial — as contas públicas. A aceleração dos gastos públicos está em andamento e é objetivo do próprio presidente-candidato Luiz Inácio da Silva. Os problemas vão aparecer mais à frente, mas já estão no radar.