Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

quarta-feira, outubro 06, 2010

Sinal verde, azul e amarelo!

"NÃO é fácil obter 50% de votos no primeiro turno." Com essa frase batida se defendeu o vosso presidente da República, Luiz Inácio da Silva (PT-SP), percebendo para que lado sopravam os ventos, já na Manhã da jornada eleitoral do último Domingo Cidadão, 03. E defender-se ele precisava porque não só nos palanques a céu aberto, mas nas inumeráveis reuniões a portas fechadas com o comando da candidatura de ungida, dona Dilma Rousseff (PT-RS), fartou-se de vangloriar-se da vitória no primeiro turno.

OFUSCADO por essa certeza, produzida pela euforia que o inebriou desde que a sua escolhida desbancou o candidato oposicionista à Presidência da República, José Serra (PSDB-SP), da liderança nas pesquisas de intenção de voto anteriores ao primeiro turno da eleição presidencial, o vosso guia subestimou o grau de autonomia de uma fatia expressiva do eleitorado que lê, pensa, não se locomove de cócoras e que se guia pelo senso crítico. Foi quando passou a ocupar o centro das atenções, em detrimento da própria candidata, exibindo a incontinência verbal que lhe é peculiar quando lhe pisam os calos. Na sua fúria contra a Imprensa, por ter ela revelado os escândalos das violações de sigilos fiscais na Receita Federal do Brasil e a esbórnia no Gabinete Civil da Presidência da República, comandada pela ex-braço-direito e faz-tudo de doma Rousseff, a ex-comissária Erenice Guerra (PT-SP), ele se esqueceu de que o "Lulinha, paz e amor" foi o que o conduziu ao Palácio do Planalto, em Brasília (DF).

E AO expor ao eleitorado o lado feral de sua personalidade política, ele evocou antagonismos que viriam a ser um dos fatores cruciais para remeter a disputa ao próximo dia 31 de Outubro. O papel de Luiz Inácio da Silva, portanto, foi decisivo, até aqui, de duas maneiras contraditórias. De um lado, mostrou-se capaz de carrear 47 milhões de votos para uma noviça desprovida de carisma, a “mulher do lula” como dizem os desafortunados do destino no Nordeste deste bobo e grande “Fazendão”, de quem a esmagadora maioria da população nunca tinha ouvido falar até pouco tempo atrás. Mas, de outro, por se achar invulnerável, acabou contribuindo para privá-la de um consagrador triunfo imediato.

OUTRA vez por se achar acima do bem e do mal, tardou a lançar ao mar o fardo Erenice Guerra. Quando o fez, a imagem de “Dilma do Chefe” já tinha sido atingida pelos estilhaços da festança familiar da sua sucessora no Gabinete Civil da Presidência da República, dando início a um movimento de migração de votos - principalmente para a candidatura Marina Silva (PV-AC). Serra, que terminou a corrida presidencial do primeiro turno com cerca de 33% dos votos válidos - mais perto que os adversários daquilo que previam as sondagens -, se beneficiou por tabela, recuperando a vantagem que perdera no Estado de São Paulo.

E FOI a presença do tema corrupção no noticiário que alimentou a onda verde de Marina Silva – “A fada da Floresta”, como dizia meu saudoso amigo e colega jornalista Marcio Moreira Alves (Jornal O GLOBO/AGÊNCIA O GLOBO). A começar da juventude visionária, crescentes setores do eleitorado passaram a se interessar por Marina Silva como portadora da utopia do século 21: a defesa de uma causa nobre - a luta contra o aquecimento global e pelo progresso social - encarnada numa figura de excepcional integridade, com uma história de superação pessoal ainda mais comovedora que a de Luiz Inácio da Silva.

IRONICAMENTE, na candidatura Marina Silva identificada com o futuro que as novas gerações desistiram de esperar da política dos negócios, como sempre desaguaram também os votos do eleitorado conservador.

NESSE contingente de não pouca monta, sobretudo entre as mulheres e na chamada “nova” classe C - que melhorou de vida e se modernizou no plano material, mas continuou fiel a valores religiosos na esfera dos costumes -, a evangélica Marina Silva ficou com os votos que seriam de “Dilma-do-Chefe” antes que se propagasse na web a acusação de que, além de ateia, ela era favorável ao aborto. Um retrospecto de declarações ambíguas, devidamente explorado por seus detratores, se mostrou mais forte que as cenas de religiosidade explícita protagonizadas pela candidata na reta final da campanha do primeiro turno eleitoral.

PORÉM, qualquer que tenha sido a importância do voto religioso para dar a Marina Silva perto de 20 milhões de sufrágios (e outro tanto em porcentagem), ela foi a vencedora política do pleito. Não apenas por ter levado a sucessão a um novo teste, mas também pela proeza que está por trás disso: a implosão do projeto plebiscitário de Luiz Inácio da Silva, que trabalhou noite e dia por uma disputa entre "nós e eles, pão, pão, queijo, queijo". "Nós", o lullismo, "eles", a Oposição. Ao decidir participar, "com uma dorzinha no coração", do que o ex-companheiro desejava restringir a uma revanche com Fernando Henrique Cardoso (PSDB-SP) – para quem perdeu duas eleições seguidas (1994 e 1998, no primeiro turno), agora a senadora da República Marina Silva fez história. "Não vamos aceitar o veredicto do plebiscito", prometeu em Junho, na convenção do Partido dos Trabalhadores (PV). E previu: "Ele vai ser revogado pelo povo".

O CANDIDATO derrotado ao governo do Estado do Rio de Janeiro, o deputado federal Fernando Gabeira (PV-RJ), foi o primeiro aliado de Marina Silva a anunciar apoio ao candidato Zé Serra no segundo turno dessas eleições presidenciais. As lideranças do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) só aguardam agora um sinal do deputado Gabeira para planejar sua participação na campanha de Serra. A expectativa é que Gabeira ajude a levar para Serra parte dos 2,6 milhões de votos (31,52%) obtidos por Marina no Estado do Rio de Janeiro.

GABEIRA teve 1 milhão de votos a menos que Marina Silva (20,68%) e perdeu a disputa com o governador reeleito Sérgio Cabral Filho (PMDB-RJ) no primeiro turno. Gabeira afirmou que não vai tentar convencer Marina Silva a se aliar a Serra. "Não quero criar constrangimento a ela, de maneira nenhuma. Farei tudo da forma mais harmônica possível", respondeu o deputado fluminense à nossa reportagem.

FERNANDO Gabeira disse que seu apoio estava definido desde o primeiro turno. "Apoio Serra não só porque ele me apoiou, mas porque o considero o melhor candidato nessa disputa do segundo turno", afirmou.

ESSA decisão de Gabeira é individual. Não leva em conta o processo de debates e consultas sobre o segundo turno anunciado na noite do último Domingo por Marina Silva. Esse processo foi iniciado na noite da última Segunda-feira, 04, em São Paulo, com uma reunião que teve a participação de seus assessores e apoiadores mais próximos, além de representantes da direção nacional do Partido Verde (PV).

GABEIRA não esperou nem o debate no diretório estadual do Rio de Janeiro. De acordo com o presidente do partido no Estado do Rio de Janeiro, o deputado federal eleito Alfredo Sirkis (PV-RJ), a decisão só será anunciada após os debates internos, que incluiriam até reuniões com Dilma Rousseff e José Serra. A ideia é apresentar a eles uma plataforma programática mínima e não negociar cargos. "Vamos ter reuniões de coordenação, fazer uma seleção de propostas e depois encontrar os dois candidatos. Queremos evitar a cena tradicional da política brasileira da divisão de ministérios e decisões tomadas de forma fisiológica. Vamos puxar um programa mínimo, obrigando os dois empedernidos desenvolvimentistas a trabalhar com a ideia da sustentabilidade”.

COM essa declaração, Sirkis deixa aberta a possibilidade de neutralidade, defendida pelos círculos mais próximos a Marina Silva, que incluem ambientalistas recém-convertidos à vida partidária e antigos militantes desiludidos com o envolvimento do governo do Partido dos Trabalhadores (PT) com a corrupção, o fisiologismo político e outros males mal afamados; e que ela, Marina Silva, atraiu para o PV.

ESTES debates levarão em conta as diferentes tendências existentes no partido. Em São Paulo, a posição do diretório estadual é francamente favorável ao apoio a Serra. Pesam a favor disso as atitudes do presidente do partido, o também deputado eleito José Luiz de França Penna (PV-SP), próximo ao PSDB, de apoiar José Serra, e do candidato derrotado ao governo do Estado de São Paulo, Fábio Feldman (PV-SP). Ele foi filiado ao PSDB até 2005 e até hoje mantém sua amizade com o ex-presidente da República, Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e com o ex-governador do Estado de São Paulo (2006-10), José Serra.

O PV em São Paulo tem sido aliado histórico do PSDB. E esse cenário tende a se manter. Todos os seis deputados paulistas eleitos agora para a Câmara Federal têm ligações com o PSDB. Um deles, Sinval Malheiro (PV-SP), chegou a declarar no primeiro turno que sua escolha para senador recairia sobre o senador eleito Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), e não em Ricardo Young (PV-SP), candidato derrotado ao Senado Federal. Ele também já disse que é muito amigo do prefeito municipal de São Paulo Gilberto Kassab (DEM-SP) e é aliado de primeira hora da candidatura José Serra.

A PRESSÃO sobre o PV para que se defina em relação ao segundo turno tende a expor as fissuras na aliança costurada entre o partido e o grupo da senadora Marina Silva, que se filiou à legenda no meio do ano passado, após quase 30 anos de militância no PT. Feita em ritmo acelerado, de olho nas eleições presidenciais deste ano, a aliança não conseguiu ainda se consolidar, nem superar todas as desconfianças dos dois lados.

DURANTE toda a campanha presidencial, Marina Silva se manteve afastada das lideranças tradicionais do PV. Cercou-se quase exclusivamente dos ambientalistas e dos políticos que levou com ela para o partido. Foi assim até na festa de comemoração dos resultados positivos no primeiro turno, no último Domingo à noite. Ela estava cercada por parentes e o grupo mais próximo. Agora ela precisa discutir a questão do segundo turno com os velhos líderes, que dominam a máquina partidária no Paí