Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

sexta-feira, maio 06, 2011

Politizando o maior dos males!

É FATO que não se negocia com uma moléstia grave assim como não se negocia com a inflação. Nenhum brasileiro medianamente informado deveria desconhecer ou menosprezar essa regra. Inflação e doença grave não fazem concessões, não dão trégua e não se ajustam à conveniência de países ou pessoas. A presidente da República, Dilma Wana Rousseff (PT-RS), ministros de Estado, líderes do Partido dos Trabalhadores (PT) e dirigentes sindicais parecem esquecer ou menosprezar a experiência do Brasil e de muitos outros países, quando defendem um combate "cauteloso" à alta de preços. Falam como se a busca da estabilidade fosse opcional e os males causados pelas pressões inflacionárias não fossem crescentes. Mas o quadro fica ainda mais preocupante quando o Banco Central do Brasil (BC), embora reconhecendo o perigo, decide tratar com condescendência pressões inflacionárias cada vez mais graves.

DONA Rousseff já tomou "medidas cautelosas" para conter a inflação sem causar recessão e desemprego, disse o ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho (PT-SP). O ministro de Estado da Fazenda, Guido Mantega (PT-SP), tem falado em cuidar das pressões inflacionárias "sem matar a galinha dos ovos de ouro", isto é, sem prejudicar o mercado interno. Além disso, o Brasil aparece em boas condições, segundo ele, quando comparado com outros países.

APENAS os muito desinformados - ou muito irresponsáveis - podem levar a sério esse palavrório do governo petista. A escolha entre inflação e recessão não se impõe às autoridades brasileiras. A situação, neste país, é muito diferente daquela vivida nos Estados Unidos da América (EUA) e na maior parte da Europa, onde o nível de atividade é muito baixo e a meta de inflação não passa de uns 2% ao ano. No Brasil, a economia continua em crescimento depois de uma expansão de 7,5% em 2010. O crédito se amplia, apesar das medidas de contenção adotadas pelas autoridades.

NOSSA inflação acumulada em 12 meses supera 6% e pode em breve ultrapassar o limite superior da meta, 6,5%. Consultorias independentes projetam uma inflação anual superior a 7% no começo do segundo semestre deste ano. Em Agosto, o índice atualizado semanalmente pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), o Índice de Preços ao Consumidor Semestral (IPC-S), poderá atingir 7,9% em 12 meses, segundo o coordenador da pesquisa, professor Paulo Picchetti (FGV-RJ). Além disso, a última apuração mostrou que 67,45% dos itens pesquisados custaram mais. Trata-se de uma onda generalizada de aumentos de preços.

É SIM um contrassenso, nesta altura, falar em combater a inflação com cuidado para não matar a galinha dos ovos de ouro. O mercado interno, essa galinha criada e engordada com muito custo ao longo de vários anos, será sacrificado inevitavelmente se a inflação disparar. Conter a alta de preços é condição incontornável para preservar o salário real, isto é, o poder de compra efetivo da grande massa incorporada recentemente ao mercado de consumo. A presidente Rousseff prometeu trabalhar para proteger esse poder de compra, mas serão necessárias ações muito mais firmes e menos tímidas para o cumprimento dessa promessa. No campo fiscal, por exemplo, o ajuste proclamado pelo governo ainda não é claro.

SERÁ necessário mais tempo para se confirmar se o resultado obtido no primeiro trimestre se manterá. Ao acrescentar dois meses ao prazo para cancelamento de restos a pagar de 2007 a 2009, a presidente mina a confiança em seu compromisso com a austeridade, especialmente porque sua decisão atende a pressões de parlamentares.

ADEMAIS, o governo deve basear o combate à inflação, segundo a presidente da República, principalmente na expansão do investimento e da capacidade de oferta. O investimento é fundamental para o longo prazo, mas o combate à inflação se faz com instrumentos de ação conjuntural. Isso não deveria ser novidade para a presidente, formada em economia,

E ENQUANTO esse governo e seus aliados fazem retórica sobre o combate "cauteloso" à inflação, a alta de preços ganha impulso e vai contaminando todos os segmentos do mercado. Dona Rousseff, economista de formação, parece perigosamente inclinada a politizar o tratamento do assunto, seguindo a cartilha do PT, dos sindicatos e dos empresários mais dispostos a aceitar a inflação. Essa complacência poderá em pouco tempo destruir conquistas duramente alcançadas nos últimos 14 anos.