Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

domingo, janeiro 09, 2011

Médicos desinformados

LISBOA – OS RESULTADOS do projeto-piloto criado pelo Ministério da Saúde (MS) e pelo Ministério da Educação (MEC) para validar diplomas de médicos formados no exterior confirmaram os temores das associações médicas brasileiras. Dos 628 profissionais que se inscreveram para os exames de proficiência e habilitação, 626 foram reprovados e apenas 2 conseguiram autorização para clinicar. A maioria dos candidatos se formou em faculdades na Argentina, na Bolívia e, principalmente, em Cuba.

AS ESCOLAS bolivianas e argentinas de medicina são particulares e os brasileiros que as procuram geralmente não conseguiram ser aprovados nos disputados vestibulares das Universidades Públicas Estaduais e Federais, e nem mesmo nas Instituições confessionais do País. As faculdades cubanas - a mais conhecida é a Escola Latino-Americana de Medicina (Elam) em Havana - são estatais e seus alunos são escolhidos não por mérito, mas por afinidade ideológica. Os brasileiros que nelas estudam não se submeteram a um processo seletivo, tendo sido indicados por movimentos sociais, organizações não governamentais e partidos políticos. Dos 160 brasileiros que obtiveram diploma numa faculdade cubana de medicina, entre 1999 e 2007, 26 foram indicados pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST). Entre 2007 e 2008, organizações indígenas enviaram para lá 36 jovens índios.

DESDE que o Partido dos Trabalhadores (PT), o Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e o MST passaram a pressionar o governo Luiz Inácio da Silva (2003-10) para facilitar o reconhecimento de diplomas de Medicina expedidos em Cuba, o Conselho Federal de Medicina e a Associação Médica Brasileira têm denunciado a má qualidade da maioria das faculdades de medicina da América Latina (AL), alertando que os médicos por elas diplomados não teriam condições de exercer a medicina no Brasil. As entidades médicas brasileiras também lembram que, dos 298 brasileiros que se formaram na Elam, entre 2005 e 2009, só 25 conseguiram reconhecer o diploma no Brasil e regularizar sua situação profissional.

PORTANTO, o PT, o PC do B e o MST optaram por defender o reconhecimento automático do diploma, sem precisar passar por exames de habilitação profissional - o que foi vetado pelo Conselho Federal de Medicina e pela Associação Médica Brasileira. Para as duas entidades, as faculdades de medicina de Cuba, da Bolívia e da Argentina teriam currículos ultrapassados, estariam tecnologicamente defasadas e não contariam com professores qualificados.

EM resposta, o PT, o PC do B e o MST recorreram a argumentos ideológicos, alegando que o modelo cubano de ensino médico valorizaria a medicina preventiva, voltada mais para a prevenção de doenças entre a população de baixa renda do que para a medicina curativa. No marketing político cubano, os médicos "curativos" teriam interesse apenas em atender a população dos grandes centros urbanos, não se preocupando com a saúde das chamadas "classes populares".

ENTRE 2006 e 2007, a Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados chegou a aprovar um projeto preparado pelas chancelarias do Brasil e de Cuba, permitindo a equivalência automática dos diplomas de medicina expedidos nos dois países, mas os líderes governistas não o levaram a plenário, temendo uma derrota. No ano seguinte, depois de uma viagem a Havana, o ex-presidente Luiz Inácio da Silva pediu uma "solução" para o caso para os ministros de Estado da Educação e da Saúde. E, em 2009, governo e entidades médicas negociaram o projeto-piloto que foi testado em 2010. Ele prevê uma prova de validação uniforme, preparada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) do MEC, e aplicada por todas as Universidades.

POR causa do desempenho desastroso dos médicos formados no exterior, o governo Dilma Rousseff (2011-14) - mais uma vez cedendo a pressões políticas e partidárias - pretende modificar a prova de validação, sob o pretexto de "promover ajustes". As entidades médicas já perceberam a manobra e afirmam que não faz sentido reduzir o rigor dos exames de proficiência e habilitação. Custa crer que setores do MEC continuem insistindo em pôr a ideologia na frente da competência profissional, quando estão em jogo a saúde e a vida de pessoas.