Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

sábado, agosto 21, 2010

Estranha combinação

BARRETOS (SP) - EXISTE um aspecto obscuro nessa operação na qual as companhias aéreas TAM, do Brasil, e LAN, do Chile, constituirão uma nova empresa, a Latam Airlines, que as controlará e as administrará. Não é rigorosamente uma fusão, revelou a nossa reportagem ontem o presidente da TAM Linhas Aéreas, Líbano Barroso. Não é tampouco uma aquisição, ou seja, a empresa chilena não comprou a brasileira, como se divulgou nos últimos dias na Imprensa, destacou Barroso. Na nova empresa, o poder será compartilhado entre as famílias que atualmente controlam as companhias originais, a família brasileira Amaro e a família chilena Cueto, observou o presidente da holding TAM S.A., Marco Antonio Bologna, em entrevista coletiva concedida ainda a pouco.

JÁ que não se trata de fusão, nem aquisição, nem acordo operacional ou associação, o que é, então? "Uma combinação", respondeu Barroso. Trata-se de uma figura estranha às práticas empresariais convencionais. Muito provavelmente, essa forma pouco clara de designar a operação será mantida quando as duas empresas tiverem de submeter a "combinação" às autoridades brasileiras que autorizam as operações civis de transporte aéreo de passageiros e de cargas e as que regulam e fiscalizam o setor.

O CÓDIGO Brasileiro da Aeronáutica em vigor limita a 20% a participação de estrangeiros no capital das companhias aéreas brasileiras. Por isso, nas explicações dadas à Imprensa, as diretorias da TAM e da LAN têm procurado deixar claro que, operacionalmente, as duas empresas continuarão independentes, preservando o controle acionário atual. Ou seja, a família Amaro continuará detendo 80% do capital votante da empresa brasileira, que será preservada juridicamente, e a família Cueto terá os 20% restantes.

ESTAS duas famílias participarão do grupo controlador da Latam Airlines, com os chilenos detendo a fatia maior (segundo algumas informações, a família Amaro ficaria com 30% do grupo controlador e a família Cueto, com 70%). Mas o comando será unificado e o centro das decisões das duas companhias será transferido para a sede da Latam, em Santiago. Caberá à Latam, na prática, a gestão da TAM e da LAN.

DE FATO, do ponto de vista empresarial, a fusão, ou que outro nome tenha a operação, é do interesse das duas empresas. O mercado brasileiro de aviação tem crescido a um ritmo bem mais intenso do que o mercado mundial - e a diferença aumentou por causa da crise, que reduziu o número de passageiros no mundo, mas pouco afetou a demanda doméstica. As projeções indicam que o crescimento continuará forte nos próximos anos, não apenas por causa dos grandes eventos esportivos programados, mas pela própria dinâmica do mercado brasileiro, o que o torna muito atraente.

TODAVIA existe uma restrição que é o limite legal para a participação do capital estrangeiro na composição acionária das empresas aéreas que operam linhas nacionais. Já passou pelo plenário do Senado Federal e está pronto para ser votado pelo plenário da Câmara dos Deputados o projeto que altera vários pontos do Código Brasileiro de Aeronáutica, entre eles o limite da participação estrangeira nas companhias aéreas brasileiras. Pelo texto, a participação pode chegar a 49%, isto é, o controle deve continuar na mão de brasileiros.

A COMPANHIA LAN, como outras empresas estrangeiras que atuam no setor de transporte aéreo, certamente aposta na aprovação dessa mudança, e talvez até mesmo em maior abertura do mercado brasileiro. Em momentos de crise no transporte aéreo, dirigentes empresariais e até diretores da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) demonstraram simpatia pela política de "céus abertos" apregoada por alguns países. Essa política permite a maior participação das empresas estrangeiras nas rotas domésticas. Trata-se, em tese, de uma forma de aumentar a competição no setor para forçar a melhoria dos serviços e a redução das tarifas.

PORÉM, essa política implica riscos ao sistema de transporte aéreo nacional. A guerra tarifária pode levar empresas à insolvência. E, em períodos de dificuldades, as empresas estrangeiras podem, simplesmente, abandonar as operações no País, comprometendo a regularidade de uma atividade estratégica. Nem mesmo o governo dos Estados Unidos da América (EUA), que pregam essa política para outros países, a praticam.