Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

sábado, fevereiro 12, 2011

O emblema do nosso atraso político democrático

ESSA tranquila recondução do senador da República, José Sarney (PMDB-AP), à presidência do Senado Federal, para mais um mandato de dois anos - o quarto do parlamentar e ex-presidente da República (1985-1990), à frente daquela Casa do Poder Legislativo do Brasil -, pode parecer um saudável sintoma da estabilidade política de que o País necessita para evoluir na consolidação das Instituições Republicanas e do desenvolvimento econômico e social. Na verdade, é uma garantia de tranquilidade para o governo Dilma Rousseff (2011-14), que continuará dispondo, no comando da Câmara Alta, de um aliado exigente em termos de contrapartidas, mas subserviente mente fiel e prestativo. A recondução de Sarney à presidência do Senado Federal é uma marca do atraso político que o Brasil não consegue superar. É o tributo que a Nação é obrigada a pagar, em nome de uma concepção falsificada de governabilidade, ao mais legítimo representante das oligarquias retrógradas que dominam e infelicitam as regiões mais pobres do País. Democracia e oligarquia são incompatíveis entre si. Um oligarca como Zé Sarney, portanto, é incompatível com a democracia, da qual só lhe interessa o sistema eleitoral que manipula sem constrangimento para se perpetuar no poder.

ZÉ Sarney flerta com o poder, quase que ininterruptamente, há mais de meio século. Pelo menos desde o golpe militar de 1964, quando se elegeu governador do Estado do Maranhão, com o apoio do ditador-presidente da República, Castelo Branco, e depois senador da República representando aquele Estado por dois mandatos consecutivos.

PRESIDIU a extinta Arena, depois o extinto PDS, e em 1985, quando pressentiu a irreversibilidade do processo de redemocratização do País, em troca da candidatura a vice-presidente da República, coliderou a dissensão no partido avalista da ditadura militar, e que resultou na eleição do oposicionista Tancredo de Almeida Neves. Com a morte deste, a Presidência da República caiu-lhe no colo.

APÓS um mandato presidencial em que registrou seguidas crises econômicas, o estouro da hiperinflação e uma controvertida moratória da nossa dívida externa, Sarney criou condições para que o País se encantasse com um "caçador de marajás", Fernando Collor de Mello (PTB-AL), na eleição presidencial de 1989. Isso acabou lhe custando um breve período - os dois anos e sete meses de Collor na Presidência da República (1990-92) - distante do poder. Mas logo em seguida, já em fins de 1992, com Itamar Franco (PPS-MG) na Presidência da República, o senador Sarney estava novamente na situação.

PARALELAMENTE, o clã Sarney consolidava seu poderio econômico, com um complexo de negócios cuja face mais visível é o Sistema Mirante de Comunicação, o maior grupo privado de comunicação do Maranhão, proprietário de emissoras de TV e de rádio e do Jornal O Estado do Maranhão.

PORÉM, a completa simbiose do senador maranhense eleito pelo Amapá com o Poder Central ocorreu a partir da chegada do lulo-petismo a Presidência da República deste grande e bobo País. Imune a pruridos éticos, Luiz Inácio da Silva (PT-SP) não demorou em transformar aquele que fora um dos alvos preferenciais de seus ataques, quando na Oposição, em um aliado indispensável. O primeiro grande serviço prestado pelo senador Sarney ao novo amigo ocorreu quando estourou o escândalo do Mensalão empreendido pelo delubiovalerioduto petista sob o comando do então comissário e ministro-chefe da Casa Civil da Presidência da República, José Dirceu (PT-SP) em 2004, e Sarney ajudou a convencer a Oposição de que Luiz Inácio da Silva deveria ser preservado. A recompensa veio em 2009, quando Sarney ocupava pela terceira vez a presidência do Senado Federal e estourou uma série de escândalos na administração daquela Casa. Foram, então, apresentados 11 pedidos de cassação de seu mandato à Comissão de Ética do Senado Federal. E Luiz Inácio da Silva acionou sua tropa de choque no Congresso Nacional e dessa vez o preservado foi Sarney.

A ESSA altura até a mídia internacional já se tinha dado conta do que representava o homem forte do governo Luiz Inácio da Silva (2003-10). Logo após sua terceira eleição para a presidência do Senado Federal, em 2009, Sarney foi o protagonista de ampla reportagem da revista inglesa The Economist. Sob o título Onde os dinossauros ainda vagam, a matéria assinada pelo jornalista John Prideaux classificava o evento como uma "vitória do semifeudalismo".

INABALÁVEL, o eterno governista disse que fará mais um "sacrifício pessoal", ficando mais dois anos na presidência do Senado Federal. Como se não tivesse sido o principal personagem do escândalo dos "atos secretos", afirmou, ainda impávido, que "a ética, para mim, não tem sido só palavras, mas exemplo de vida inteira". Só se emocionou, chegando às lágrimas, quando lembrou que este será o seu último mandato legislativo.