Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

domingo, agosto 02, 2009

Teatro do absurdo

RIO DE JANEIRO – TALVEZ seis anos e sete meses deveriam ser mais do que suficientes para o País já não ficar perplexo com as impropriedades que ornamentam os discursos de cada dia do seu primeiro mandatário. Desde que chegou ao Palácio do Planalto, não houve, com efeito, ocasião ou circunstância que o vosso presidente da República presidente Luiz Inácio da Silva (PT-SP) considerasse imprópria para dizer o que lhe viesse à cabeça. Em linguagem corrente, “O-CARA” simplesmente não se toca. Mas o efeito cumulativo de seus disparates, no ambiente e no momento que for - desde uma entrevista de passagem, em meio ao atropelo dos repórteres, até uma solenidade formal de governo -, antes aviva do que anestesia o pasmo provocado pela absoluta falta de autocensura que sustenta tais enormidades.

O VOSSO presidente da República, Luiz Inácio da Silva (2003-10) definitivamente, não possui o que o público chama de “desconfiômetro”. Quando lhe faltam argumentos racionais para defender suas teses, desanda a afirmar coisas de que em geral as pessoas, que dirá um chefe de Estado, poupam os que as ouvem, quanto mais não seja para resguardar a própria dignidade. De toda maneira, o que parece contar para ele e o que o empurra para longe de qualquer vestígio de decoro é o intento de dar o seu recado, quantas vezes julgar necessário - e o resto que se lixe. O exemplo da hora, naturalmente, são as suas demonstrações públicas de alinhamento incondicional com o presidente do Senado Federal, senador José de Ribamar Sarney (PMDB-AP), imerso em evidências irrefutáveis de malfeitos que o despojaram das condições mínimas para continuar no cargo e conservar o mandato.

“O-CARA” parece acreditar que as suas ações em socorro do seu principal aliado no Congresso Nacional, e de quem se converteu no mais vistoso guarda-costas, não apenas haverão de garantir a sua invulnerabilidade, como ainda o farão se lançar com entusiasmo na duvidosa empreitada de unir o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) ao redor da candidatura presidencial da atual ministra-chefe do Gabinete Civil da Presidência da República, Dilma Rousseff (PT-RS) em 2010. Além de agir, enquadrando, por exemplo, a bancada petista no Senado Federal, ansiosa por se dissociar do oligarca - se não em nome da ética, pelos cálculos eleitorais da maioria dos seus membros -, “O-CARA” acha que precisa mostrar a Zé Sarney, por palavras, que se identifica plenamente com o núcleo da sua autodefesa, que ele externou no discurso de 16 de Junho: a sua biografia o torna inimputável. (O que a opinião pública pensa disso não vem ao caso.)

DOIS DIAS depois, no que o vosso presidente-torcedor poderia chamar de jogada ensaiada, “O-CARA” declarou, para assombro dos repórteres que o acompanhavam ao Casaquistão, que Zé Sarney não pode ser tratado como "pessoa comum". E foi isso, numa versão verdadeiramente escandalosa, que ele reiterou há alguns dias na solenidade de posse do novo procurador-geral da República, Roberto Gurgel. Envergonhando o emblema da República que adornava a tribuna de onde discursava, “O-CARA” advertiu aos membros do Ministério Público (MP) a não atuarem "pensando apenas na biografia de quem está fazendo a investigação" - por si só, uma insinuação próxima do insulto -, mas "pensando, da mesma forma, na biografia de quem está sendo investigado". Ou seja, os membros do Ministério Público não podem esquecer que todos são iguais perante a lei, mas alguns são mais iguais que os outros. Aqui já se trata de teatro do absurdo.

ANTERIORMENTE, o vosso presidente da República aconselhara os procuradores a "investigar fatos, tirar as suas conclusões e tomar as providências coerentes com elas", como se não fosse exatamente isso o que fez o então procurador-geral Antonio Fernando Souza, no caso do mensalão em empreendido pelo petismo através do delubiovalerioduto, indiciando 40 suspeitos, de variadas biografias, como membros de uma "sofisticada organização criminosa" interessada em "garantir a permanência do partido (o Partido dos Trabalhadores) no poder". A vida pregressa de um réu somente pesa - como circunstância atenuante ou agravante - na hora do julgamento. Não se ofenderá a inteligência do vosso presidente da República sugerindo que possa ter confundido as condutas apropriadas aos agentes públicos em cada etapa do devido processo legal.

NÃO CREIO que “O-CARA” seja um néscio: o seu problema, ou melhor, o problema do País, sob o seu governo (2003-10), é a sem-cerimônia com que dá ao povo que o admira um exemplo perverso de como tratar as instituições. Elas têm sido a primeira vítima de sua obstinação em conseguir o que pretende - controlar o processo político e fazer a sua sucessora. Ele deve imaginar que a sua excepcional biografia a tudo o autoriza. Tanto pior.