Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

domingo, fevereiro 20, 2011

A estréia

RIO DE JANEIRO (RJ) - DILMA Wana Rousseff (PT-RS) pagou para ver a mão das pressões sindicais sobre a Câmara dos Deputados pela aprovação de um novo Salário Mínimo de R$ 560 - e arrastou as fichas todas. Dos 373 parlamentares da base aliada de 17 partidos que votaram a matéria na noite de anteontem (de um total de 388), apenas 16 disseram sim à alternativa contra a qual o governo havia fechado questão na semana passada, declarando inegociável o valor de R$ 545, afinal aprovado.

DESTINO pior ainda teve da emenda patrocinada pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) por um piso de R$ 600. Nem o Democratas se associou à proposta. Com isso, se os R$ 560 foram rejeitados por 361 votos a 120, os R$ 600 acabaram vencidos por 376 votos a 106. No painel eletrônico, o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) roubou a cena. Todos os seus 77 deputados presentes fecharam com o governo. Não se tem lembrança de outra unanimidade do gênero, em votações cruciais para o governo que a sigla apoiasse, nos últimos 16 anos.

MAIS leal do que o próprio Partido dos Trabalhadores (PT), com 10 ausências e 2 votos favoráveis aos R$ 560, numa bancada de 88 membros, o PMDB cobriu-se de credenciais para cobrar os cargos de segundo escalão que reivindica e cujo preenchimento a presidente adiou duas vezes: para depois da eleição do presidente da Câmara dos Deputados e para depois da decisão sobre o mínimo. A legenda não atrapalhou a eleição do deputado Marco Maia (PT-RS), apoiado pelo governo, cumprindo a sua parte no trato pelo qual o sucessor dele, em 2013, será um dos seus.

A COESÃO absoluta da bancada, agora - não após o partido ter os seus pleitos atendidos, mas na expectativa de tê-los - é uma mensagem mais eloquente do que as tentativas de chantagem costumeiras no presidencialismo de coligação brasileiro.

SE algo parecido com isso houve no episódio foi a ameaça plantada na Imprensa pelos homens da presidente da República de que o ministro de estado do Trabalho e do Emprego, Carlos Lupi (PDT-SP), presidente licenciado do Partido Democrático Trabalhista (PDT), poderia perder a cadeira se a bancada partidária, conduzida pelo deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP), líder da Força Sindical, fechasse questão pelos R$ 560.

DE FATO seria uma incoerência um partido com assento no Executivo votar contra o que decidiu a sua comandante. Liberados, afinal, para votar como quisessem, os 26 pedetistas na Câmara dos Deputados deram 9 votos a favor da propsota do governo. A queda de braço em torno do Salário Mínimo, por sinal, abriu uma fissura, ou mais do que isso, na aconchegante relação de 8 anos do poder sindical com o governo. E criou um contencioso na frente única da Força com a Central Única dos Trabalhadores (CUT), cujo ex-presidente, o deputado Vicentinho (PT-SP), foi espertamente escolhido relator do projeto dos R$ 545. Arrostou com dignidade as vaias das galerias. "Vão se transformar em aplausos", reagiu.

AO aprovar o Salário Mínimo estipulado pelo governo, a Câmara dos Deputados transformou em Decreto Legislativo - e o aprovou - a regra no qual se baseou.

ATÉ 2015, o Salário Mínimo será automaticamente reajustado pelo índice de inflação do exercício precedente mais a variação do Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos anteriores. Embora a fórmula tivesse sido pactuada entre o governo e as centrais em 2007, os sindicatos queriam sujeitá-la ao fato de o PIB de 2009 ter sido negativo para injetar no novo mínimo uma parte do robusto crescimento da economia em 2010.

DONA Rousseff disse não porque a acomodação da regra às pretensões daqueles mesmos que a haviam endossado, logo na sua primeira disputa no Congresso Nacional, seria um indício ominoso de falta de espinha. Ainda mais importante foi o imperativo de integrar a política para o Salário Mínimo ao plano de austeridade que prevê uma tesourada de R$ 50 bilhões nos gastos federais deste ano, sob o eufemismo "consolidação fiscal" (algo como chamar apagão de "interrupção temporária de energia").

O ANÚNCIO do ajuste, precipitado pelo atual surto inflacionário, foi recebido com ceticismo: calculou-se que o reequilíbrio das contas públicas dependeria de um aumento extravagante da arrecadação. Se a presidente, ainda por cima, fraquejasse na questão do mínimo, a sua credibilidade desmoronaria antes de estar construída. Em vez disso, ela mostrou que conhece e está disposta a manejar os recursos de poder ao seu alcance. Neste caso, para o bem.