Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

sábado, julho 09, 2011

Homem honrado

PARATI (RJ) - O BAIANO Itamar Augusto Cautiero Franco (1930-2011) entrou para a história como figura absolutamente singular. Nenhum outro presidente da República Federativa do Brasil realizou tanto, em tão pouco tempo, em condições políticas e econômicas tão adversas e sem violar uma única regra do Estado Democrático do Direito. Após o impechment do então titular da Presidência da República, o ex-governador do Estado de alagoas, e agora senador da República, Fernando Collor de Mello (PTB-AL), em Dezembro de 1992, Itamar Franco (PPS-MG) assumiu a Presidência da República no meio de uma crise gravíssima, com a administração federal em frangalhos, a economia devastada por uma inflação sem freios e o País sem crédito. Jamais seria censurado se apenas mantivesse o Brasil funcionando e entregasse a faixa presidencial, dois anos depois, a um sucessor com capital político suficiente para enfrentar as tarefas mais duras. Mas seu roteiro foi outro. Quando ele deixou o posto, a hiperinflação havia sido vencida e o governo executava o mais criativo e bem-sucedido plano de estabilização econômica posto em prática no Brasil (o Plano Real). Mas era preciso consolidar a conquista e o ministro de Estado encarregado de comandar a elaboração e a implantação do plano foi seu sucessor, o PhD em Ciências Sociais, Fernando Henrique Cardoso (PSDB-SP).

ESSA coragem, clareza e simplicidade nas ações políticas marcaram a passagem de Itamar Franco pela Presidência da República Federativa do Brasil. Ao iniciar o mandato (1992-94), pediu a demissão de todos os ministros de Estado e recompôs o primeiro escalão segundo seu julgamento. Em 1993 entregou o Ministério da Fazenda ao Professor Fernando Henrique Cardoso - um sociólogo renomado, com passagem pelo Senado Federal e pelo Itamaraty, mas nenhuma experiência na administração econômica. Foi o primeiro passo para a elaboração do Plano Real, o controle da moeda e a reforma das finanças públicas.

ITAMAR Franco levou para a chefia da Casa Civil da Presidência da República um respeitado funcionário da Câmara dos Deputados, Henrique Hargreaves (PPS-MG). Acusado de irregularidades, Hargreaves deixou o cargo, em acordo com o presidente, para melhor se defender. Inocentado, reassumiu o posto. O exemplo dado por Itamar Franco nesse episódio foi muito lembrado nos últimos oito anos quando figuras importantes do governo foram envolvidas em grandes escândalos. Mas não foi seguido. Se alguém se afastou ou foi demitido, foi só quando sua posição se tornou insustentável e perigosa para seu chefe.

NESTA sua última passagem (2011) pelo Senado Federal, o ex-presidente Itamar Franco manteve suas características bem conhecidas. Marcou presença nas atividades rotineiras do Congresso Nacional de modo firme, claro e minucioso. "Suas questões de ordem, formuladas com segura obstinação, causavam furor. Sem ele, o dia a dia do Senado - perdoem-me os colegas - fica mais banal", comentou o senador da República, Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP). Esse retalho de memória descreve com precisão o comportamento habitual de Itamar Franco.

AS mesmas qualidades tornaram Itamar Franco admirável e o expuseram a críticas. Não teve o mesmo sucesso como governador do Estado de Minas Gerais (1999-2002), quando trocou o faro pelo senso prático e eficiente na administração pública pela bravata e letígio personalista, decretando a moratória da divida pública e levando o Estado mineiro a bancarrota que lhe causou um atraso econômico talvez por duas décadas neste Século XXI. Era Janeiro de 1999 e em meio a grave crise cambial, Itamar Franco, governador de Minas, declarou moratória da dívida estadual, complicando uma situação nacional já muito difícil. Sua determinação se expressou ora como firmeza, ora como teimosia. Nem todos concordaram com seu nacionalismo às vezes fora de propósito e exacerbado.

E COMO outros ex-presidentes da República, Itamar Franco permaneceu no dia a dia da política, em vez de se afastar e assumir um lugar no panteão de quem já passou pelo posto mais alto do País. Poucos teriam, tanto quanto ele, as condições morais para o papel de conselheiro e de servidor suprapartidário, reservado para funções de interesse do Estado. Mas ele permaneceu na arena política, disputou indicações, mudou de partido inúmeras vezes e não parou sequer depois de completar o mandato de governador de Minas. No balanço geral, o Brasil, é justo reconhecer, não perdeu com isso. Ao contrário, pôde beneficiar-se de sua teimosia e de sua lisura ainda por alguns anos.

ESTE grande e bobo País é hoje certamente melhor do que era antes de Itamar Franco exercer a Presidência da República. A vitória contra a inflação fortaleceu a economia, abriu caminho para a redução das desigualdades e estabeleceu as bases para o crescimento seguro. Tudo isso mudou a imagem externa do Brasil e elevou o autorrespeito dos brasileiros. Os passos decisivos dessa enorme transformação foram dados em apenas dois anos, num ambiente extremamente desfavorável. Haver governado o Brasil nesse período extraordinário bastaria para construir a reputação de qualquer pessoa. Mas Itamar Franco, cuja morte completa uma semana neste Sábado, 09, ainda se distinguiu por algo mais: terminou a carreira de homem público teimoso, determinado e briguento sem uma única mancha em sua reputação.