Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

domingo, novembro 04, 2012

Estamos mais para “Engana”

RIO DE JANEIRO (RJ) - O AUMENTO da renda nos últimos dez anos proporcionou uma notável melhora no padrão de vida da maioria das famílias brasileiras, aproximando-o de indicadores de países desenvolvidos, se o que se leva em conta é a aquisição de bens de consumo. No entanto, como mostra a reportagem do jornal Valor Econômico publicadas no último dia 21, se o critério for o fornecimento de serviços públicos básicos, pelos quais o Estado é diretamente responsável, uma boa parte desses mesmos cidadãos ainda convive com situações típicas dos países mais pobres do mundo. Ou seja: quando depende da renda das famílias, o avanço dos brasileiros na direção do mundo do conforto é significativo; no entanto, quando há necessidade de investimentos público e estatal, as demandas mais óbvias de grande parte da população ainda estão muito longe de serem satisfeitas.



O PAÍS é hoje o oitavo maior mercado consumidor do mundo, segundo o Fórum Econômico Mundial. Desde 2001, saltou de 85,1% para 96,3% o total de domicílios que dispõem de geladeiras. No caso dos televisores, o índice passou de 89% para 97,2%, e no de máquinas de lavar, de 33,6% para 51,6%. Quase 100% das casas agora têm fogão, e o número de residência com microcomputador conectado à internet quadruplicou, chegando a 37,1%. Para o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), esses dados têm relação direta com a redução da desigualdade de renda verificada no período. Houve expansão de 16% do rendimento médio real do trabalho entre 2001 e 2011, e esse crescimento foi mais acentuado entre os 50% mais pobres da população. Estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV) indica que o ganho nessa faixa foi de 68% acima da inflação. Além disso, o total de trabalhadores com Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) assinada pelo empregador cresceu 48,1% entre 2003 e 2011.



AO mesmo tempo, a oferta de crédito, capitaneada por bancos públicos, passou de 25% para 51% do Produto Interno Bruto (PIB) entre 2002 e Agosto passado, o que, ao lado do abatimento de impostos para reduzir os preços, também ajuda a explicar o aumento substancial da aquisição de bens duráveis. Com relativa estabilidade de emprego e de ganhos salariais, aliada ao crédito fácil e aos incentivos estatais, os brasileiros foram às compras.



NO entanto, muitos desses consumidores da "nova classe média", que passaram a assistir a seus programas favoritos em modernas TVs de tela de plasma, são os mesmos que topam com lixo na porta de casa, que enfrentam esgoto a céu aberto e que não têm transporte público de qualidade, e não tem escola com qualidade ao menos razoável para seus filhos.




O INSTITUTO Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostra que cerca de 40% das residências brasileiras não dispõem de abastecimento de água e coleta de esgoto. A comparação com os países ricos é dramática: nos Estados Unidos da América (EUA), segundo a reportagem do Jornal Valor Econômico, apenas 0,6% das casas não tinham água encanada e vaso sanitário com descarga em 2011. Ainda segundo o IBGE, 11% das casas brasileiras não têm nenhum tipo de saneamento básico e 5% convivem com lixo acumulado. E 40% dos logradouros não têm nenhuma identificação, de modo que seus habitantes não sabem dizer exatamente onde moram. O quadro é igualmente sombrio na educação. O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) de 2011 mostra que, no Ensino Médio, a maioria dos estudantes não sabe ir além das quatro operações aritméticas nem consegue ler e escrever português de modo satisfatório.



TUDO isso se reflete na capacidade do Brasil de competir por mercados. O último ranking do Fórum Econômico Mundial sobre o tema indica que o País, embora tenha subido cinco posições, para o 48.º lugar, ainda marca passo em indicadores-chave. No item "saúde e educação básica", por exemplo, o Brasil figura em 88.º lugar entre 144 países, perdendo 9 posições desde 2009.



COMO se observa, lentamente estamos deixando de ser a "Belíndia", à qual se referiu em 1974 o economista (um dos pais do Plano Real, 1994) e ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Edmar Bacha, para designar a concentração de renda que gerou o abismo entre o minúsculo Brasil rico, isto é, a "Bélgica", e o enorme Brasil pobre, a "Índia". Agora, o País está mais para um "Engana", apelido dado recentemente pelo ex-ministro da Fazenda na Ditadura Militar (1964-85), Antonio Delfim Netto (PMDB-SP), para designar esse festejado Brasil que tem renda da Inglaterra (England), mas que ainda dispõe de serviços públicos de Gana.