Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

terça-feira, setembro 20, 2005

Urnas e castigo

WLADMIR ÁLVARO PINHEIRO JARDIM
BELO HORIZONTE


Autoridade no Brasil é assim mesmo. Fala sem pensar. Mas é nessas horas, talvez, que elas mais falam a verdade. Para mim, a frase deste Setembro findouro já está determinada: é aquela do ministro de Estado das Relações Exteriores Celso Amorim, proferida, na Segunda-feira, 12, na Guatemala. O que não é de se espantar. Cada vez é mais difícil ouvir o presidente da República Luiz Inácio da Silva (PT-SP) ou o chanceler Amorim em terra brasileira. Enfim, foi na Guatemala e aqui vai sua reprodução na íntegra: “A demanda de Lula é maior do que a oferta de Lula”.

Está tudo muito bem, está tudo muito bom, mas... o excelentíssimo chanceler Celso Amorim não poderia ter nos contado isso antes das eleições?

Pano rápido!...

Algo me diz que esta, também, é uma pergunta pertinente e atual: qual seria a melhor maneira de punir — somando castigo, exemplo e compensação para a sociedade — os culpados de crimes financeiros?

Nos Estados Unidos da América (EUA), esse tipo de delito é freqüente. Diferentemente de outros países, as punições não são raras, e às vezes se revelam exemplares. Um caso clássico, de 20 anos atrás, foi o caso de um nova-iorquino manipulador do mercado financeiro chamado Ivan Boesky. Ele ganhou centenas de milhões de dólares com fraudes variadas. Descoberto e preso ajudou as autoridades a fisgar um outro espertalhão chamado Michael Milken, especialista em mutretas com ações de empresas sem valor.

Nenhum dos dois passou muito tempo na cadeia: Ivan, 18 meses; Milken, três anos. Mas não ficaram em penitenciárias comuns, com traficantes e assassinos profissionais. Os EUA têm prisões para criminosos de gravata, onde não correm riscos de vida. Mas — o que é fundamental — perdem todos os benefícios de seus delitos. Ivan pagou 200 milhões de dólares de multa ao Tesouro Norte-americano; de Milken não sei a cifra, mas é certo que perdeu rigorosamente tudo o que tinha.

Pouco tempo depois de libertado, Boesky foi fotografado numa rua de Nova York: parecia um vagabundo, desses que vagam sem destino com todos os seus bens em sacolas de papel. A miséria o destruíra, mais do que o tempo de cadeia.

Um bom sistema, não parece?

Supondo que o ex-prefeito de São Paulo Paulo Salim Maluf (PP-SP) tenha realmente os muitos milhões de dólares já localizados em paraísos fiscais, parece que seria realista — e menos desumano que guardá-lo numa penitenciária dominada por facções de traficantes — mantê-lo por alguns anos numa instituição onde não corresse risco de vida. Afinal, ele não matou, não estuprou, não envenenou jovens com drogas.

A prisão especial não é necessariamente antidemocrática e elitista: bastaria que se mantivesse fiel ao conceito da punição equivalente ao delito. E valendo tanto para Maluf como para modestos passadores de cheques sem fundo e pequenos praticantes de contos-do-vigário.

A diferença seria estabelecida por exigência rigorosa: devolução de todo o dinheiro obtido ilicitamente. Isso poderia dar recursos ao Estado brasileiro para financiar obras de interesse público e livraria os beneficiados de uma virtual condenação à morte, na convivência com os “comandos” que dominam as penitenciárias. Em outras palavras, num caso como o que está nas manchetes, o Estado proporia um bom negócio possível aos especialistas em negociatas: ou bolsos vazios e uma dieta com alguns quibes e poucos sobressaltos, ou algo do gênero do Complexo Penitenciário de Bangu no Rio de Janeiro.

Certamente é sonho impossível, mas o repatriamento de todos esses dólares talvez até permitisse ao Ministério da Justiça e a governos estaduais criar um sistema penitenciário mais humano para quem está lá dentro e mais seguro para o pessoal aqui fora.

Agora, como todo mundo sabe, a liderança do Partido dos Trabalhadores (PT) está pretendendo... se refundar. Há poucos dias mesmo, houve, em São Paulo, um ato pela refundação do PT. Os oradores que participaram de tal ato deram palpites sobre o nome que deveria ter o movimento de refundação do partido. Foi aí que a filósofa e professora titular da Universidade de São Paulo doutora Marilena Chauí (PT-SP), que passou tanto tempo calada, deu seu palpite: “o reencontro do PT consigo mesmo”. Como é que é? Não sei não, acho que o marqueteiro soteropolitano Duda Mendonça vai fazer mais falta do que se imaginava. E que Marilena Chauí era mais útil para o PT no período em que não se pronunciava.

O abuso do poder econômico denunciado nas eleições internas do PT, com a utilização de cabos eleitorais pagos e transporte gratuito para eleitores, é conseqüência da profissionalização que tomou conta da militância do partido sob o comando da facção Campo Majoritário, retrato de sua falência moral. Coloca em xeque o sistema de eleição direta, que diferenciava o PT das demais agremiações políticas tupiniquins.

Já a demora na apuração dos votos é conseqüência da falência financeira, mas é mais dentro da realidade de um partido que se quer popular. Quando ainda pareciam acima de qualquer suspeita, os integrantes da direção nacional haviam montado um espetaculoso esquema de votação eletrônica em todo o País, que daria o resultado em poucas horas. Havia até mesmo planos de contratar uma pesquisa de boca-de-urna, que certamente confirmaria a vitória da facção Campo Majoritário com perto de 80% dos votos dos militantes. A crise levou por água abaixo os planos mirabolantes, e deu no que deu: no Domingo mesmo foram contabilizados todos os votos nacionalmente, só que cada diretório estadual reúne os votos na Capital, e os envia para o diretório nacional. O resultado preciso talvez só saia hoje ou amanhã.

A tendência é ter segundo turno para a presidência, entre o candidato oficial e ligado ao Campo Majoritário Ricardo Berzoini, e um candidato da esquerda, provavelmente Valter Pomar, da Articulação de Esquerda, facção que tem mais máquina partidária, com apoios como o do prefeito de Recife (PE) João Paulo (PT-PE) e o da ex-prefeita de São Paulo Marta Suplicy (PT-SP), que tem um esquema forte na Capital paulista. Se confirmado Pomar no segundo turno, é um resultado que deixa o Campo Majoritário mais tranqüilo do que qualquer outro.

E uma grande incógnita para os que pensam em sair do partido caso a influência do cassável deputado José Dirceu (PT-SP) se confirme. No diretório nacional, os militantes da facção de Pomar sempre fecham com o Campo Majoritário. No Congresso Nacional, seus deputados não participam do bloco de esquerda. Pomar tem uma personalidade política muito parecida com a personalidade do ex-comissário-todo-poderoso Zé Dirceu, embora com posições diferentes. É “muito diretivo”, ao estilo dos velhos dirigentes leninistas, dizem seus críticos.

É capaz de ligar para deputados militantes da facção Articulação de Esquerda e mandar tirar assinaturas de um manifesto ou de abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). É um homem de partido. Foi contra a CPI que a apura a corrupção nos contratos dos Correios, por exemplo. Foi contra a Comissão de Ética interna. Se confirmada sua presença no segundo turno, ela significará que sua corrente política terá também uma presença de peso na chapa que foi eleita no último Domingo, 18, o que é mais importante de fato do que saber quem será o próximo presidente nacional da legenda.

O presidente do Campo Majoritário, primeiro Zé Dirceu, depois José Genoino (PT-SP), só conseguia impor sua vontade porque, além de a corrente ter tido maioria absoluta na eleição, ainda fez acordos políticos que lhe deram quase 70% do diretório nacional. Com a crise que explodiu dentro do partido, o atual presidente Tarso Genro (PT-RS), por exemplo, não conseguiu impor sua vontade à maioria do partido, o que mostra que o importante não é fazer o presidente, mas a maioria do diretório, através da votação ou, no caso atual, de acordos políticos internos.

A facção Campo Majoritário deve ter cerca de 48% do diretório, e tentará obter pelo menos mais 15% para continuar comandando o partido. O Movimento PT, da candidata já derrotada Maria do Rosário (PT-SP), sempre que a política esquenta, fecha com Luiz Inácio da Silva. Há ainda uma chapa nacional da ex-prefeita Marta Suplicy, que é ligada ao presidente da República. Aliás, o fato de o presidente Luiz Inácio da Silva não ter ido votar nas eleições de Domingo, 18, mesmo estando em São Paulo, foi uma indicação de que quer se distanciar do partido aos olhos da opinião pública, depois de ter tido insucesso em uma intervenção direta, quando deslocou nada menos que três ministros seus para reorganizar o partido, e tentou tirar da chapa do Campo Majoritário seu ex-braço direito Zé Dirceu. Com quem agora terá que negociar politicamente.

Mesmo que Zé Dirceu venha a ser cassado, continuará a ter influência no partido, o que faz com que seus inimigos o comparem ao cacique da seção regional paulista do PMDB Orestes Quércia (PMDB-SP). Dificilmente o presidente de República se afastaria formalmente do PT, a não ser que decidisse não se candidatar à reeleição. Neste momento de crise e popularidade declinante, como acusa pesquisa de opinião divulgada nesta Quarta-feira, 21, o pragmatismo político faz com que Luiz Inácio da Silva esteja afastado do partido na prática, para vender a imagem de um candidato acima dos partidos, especialmente acima do PT, que lhe garantiria a legenda, mas não cobraria questões programáticas, se confirmar a ascendência da facção Campo Majoritário.

Mas é previsível que alguma mudança na política econômica seja exigida para os acordos com o Campo Majoritário, o que tornará a relação do partido com o governo, no mínimo, mais delicada. Mas historicamente sempre que Luiz Inácio da Silva ameaçou abrir mão da candidatura a presidente, o PT acabou fechando em torno dele, que continua sendo a única alternativa viável de poder para o partido, embora debilitado.

Também o grupo de esquerda dentro do PT, que reúne cerca de 25 deputados federais, pretende negociar pontos mais polêmicos, como a posição do partido em relação aos petistas que estão na investigação dos deputados, primeiro no Conselho de Ética, depois no plenário do Congresso Nacional. Querem saber, por exemplo, se vão ficar impedidos de votar pela cassação de parlamentares petistas.

Querem também forçar a discussão da candidatura do presidente Luiz Inácio da Silva em 2006, pois consideram que com o programa econômico que adotou não pode ser considerada como natural. Teria que haver uma inflexão, uma retomada gradual e segura da queda da taxa de juros, redução do superávit primário, algum tipo de controle de capitais. Assim que for definido quem vai para o segundo turno, pretendem tirar do candidato definições. Se for Pomar, podem ter algum sucesso nas reivindicações de mudança na economia, dificilmente terão sucesso nas questões de disciplina interna.