Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

sexta-feira, junho 12, 2009

Aflições e temperanças

RIO DAS OSTRAS (RJ) - EM JUNHO de 2014 o Brasil receberá a Copa do Mundo de Futebol, as 12 cidades sedes já estão definidas e não adianta mais chorar sobre o leite derramado. Mas algumas questões merecem ser levantadas, mesmo que não interfiram mais no cenário traçado pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e pela Federação Internacional de Futebol (Fifa).

PRA COMEÇAR, e que mais me intriga, foi a escolha de Brasília (DF) como uma das cidades que abrigará jogos da Copa. O Distrito Federal não possui a menor tradição de futebol, seus times são de pouca expressão e Brasília é apenas a capital administrativa do País. Em 1974, quando a, então, Alemanha Ocidental recebeu a Copa do Mundo, Bonn, a então capital daquele país, não foi uma das sedes escolhida. Claro, lá não havia time, torcida e nem ambiente para uma Copa, que costuma fervilhar os locais por onde passa.

ALÉM DO MAIS, o duro é que o governo de Brasília em associação com o setor privado construirá para a Copa de 2014 o segundo maior estádio de futebol do País, com capacidade para 71 mil e 500 torcedores, Ficará atrás somente do Estádio Mario Filho, o Maracanã, que com a enésima reforma poderá receber 87 mil pessoas. Desde já, o estádio de Brasília, cujo projeto é de beleza inegável, ao nível dos grandes monumentos da capital, é o maior candidato a elefante branco. Ou alguém imagina que Gama e Brasiliense irão algum dia encher um gigante desses? Mesmo que seus defensores aleguem que o novo estádio será uma arena multiuso, ela irá funcionar para quê? Brasília não é rota dos grandes concertos de rock internacional e os artistas brasileiros capazes de reunir uma massa de mais de 70 mil pessoas contam-se nos dedos.

UMA OUTRA curiosidade foi a escolha de quatro sedes no Nordeste. Salvador, Recife e Fortaleza teriam que constar obrigatoriamente por serem três das grandes regiões metropolitanas do País e contarem com times de expressão nacional, quase sempre presentes na principal série do futebol brasileiro. Mas por quê Natal (RN)? Nada contra a simpática e praieira Capital pontiguar, mas sua inclusão fez algumas vítimas.

A ESCOLHA de Cuiabá (MT) também soou estranha e a única explicação razoável é a de uma sede do Pantanal, motivo mais turístico do que esportivo. E mesmo assim, faria mais sentido que Campo Grande (MS) fosse a vencedora, já que a maior parte do pantanal está no Mato Grosso do Sul. Os organizadores selecionaram Cuiabá e Brasília e deixaram de fora Goiânia (GO), que por critérios unicamente esportivos deveria ter prioridade, já que é a única da Região Centro-Oeste a ter um time na elite do Campeonato Brasileiro de Futebol, com 33 participações nos 38 anos do torneio.

NO QUESITO custos, o Rio de Janeiro (RJ) larga na frente. Com um estádio pronto e acabado, que recebeu 300 milhões de reais em sua última reforma, encerrada há dois anos, a metrópole ainda terá que gastar mais 430 milhões de reais para se enquadrar nos padrões da Fifa. A soma dos valores é quase o custo do Allianz Arena, palco da abertura da Copa da Alemanha, em 2006, e provavelmente o mais sofisticado estádio do mundo, tanto em termos arquitetônicos, quanto de segurança e conforto. Considerando mais uma vez a soma dos valores, a reforma do estádio do Maracanã sairá mais cara que a construção do estádio de Brasília, orçado em 650 milhões de reais.

ALIÁS, ESTA é outra curiosidade desta Copa do Mundo de 2014. A reforma de vários estádios custará mais caro do que a construção de novos. E não é o caso de diferença de capacidade. O Estádio Vivaldão, em Manaus (AM), consumirá 500 milhões de reais para ser reformado, o mesmo preço da construção da Arena de Recife (PE). O Estádio Castelão e o estádio da Fonte Nova em Salvador (BA) exigirão 400 milhões de reais para serem renovados, 100 milhões de reais a mais que a Arena das Dunas a ser erguida em Natal. Depois reclamam quando se fala em superfaturamento.

TAIS VALORES, naturalmente, são apenas os dos projetos que a realidade tratará de elevar, como vimos nos Jogos Pan-Americanos, no Rio de Janeiro em 2007, salvos pela verba que jorrou dos cofres da União Federal. Com o ufanismo a toda pela oportunidade de o Brasil sediar novamente a mais importante competição de futebol do mundo, irregularidades tendem a passar despercebidas e só serem examinadas em uma futura Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Copa, no Congresso Nacional, quando o dinheiro público já terá sido torrado.