Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

quarta-feira, dezembro 16, 2009

O realismo dos números

O CRESCIMENTO do Produto Interno Bruto (PIB) no terceiro trimestre de 2009 decepcionou o governo Luiz Inácio da Silva (2003-10), que esperava algo muito maior e já se vangloriava pelo resultado do ano, que comprovaria que o Brasil fora poupado da crise mundial graças à hábil condução da sua política econômica.

GUIDO Mantega (PT-SP), o ministro de Estado da Fazenda atribuiu essa frustração à revisão dos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que apontou queda de 2,1%, em lugar de 1,8%, no primeiro trimestre, e de 1,6%, em vez de 1,2%, no segundo. A revisão foi feita porque alguns economistas estranharam certas anomalias nos resultados anteriores. Os técnicos do IBGE reconheceram seus erros. No entanto, os novos dados mostram que o crescimento anterior, do qual o governo se vangloriou para dizer que a crise pouco afetara a economia brasileira, não estava correto.

DE FATO estamos longe de um crescimento anualizado de 8%, previsto pelo ministro Mantega. Isso nos leva a dar maior atenção aos resultados acumulados deste exercício, comparados com os do mesmo período de 2008, quando a crise não se havia manifestado ainda. Verificamos, assim, que, a um crescimento do PIB de 6,6%, sucede neste ano uma queda de 1,7%.

CONSIDERANDO-SE os 12 setores econômicos do País, vê-se que somente 5 apresentaram resultado positivo - o maior deles, de 2,2 pontos porcentuais, no setor da administração, saúde e educação públicas. A maior queda foi na indústria de transformação, que teve crescimento de 6,4% de janeiro a setembro de 2008 e resultado negativo de 10,7% em igual período de 2009.

QUANTO à demanda constata-se que o único componente com crescimento real foi o do consumo da administração pública, que aumentou 3,3%, ante 2,1% em 2008. Já o consumo das famílias acusou aumento de 2,8%, mas ante 8,2% em 2008.

OUTROS três indicadores tiveram desempenho negativo: a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), com aumento de 17,2% em 2008 e queda de 14,2% neste ano; a exportação, com 1,6% de aumento e 12,1% de queda; e a importação, com 21,9% de aumento e 16% de queda.

O PENÚLTIMO trimestre de 2009 mostrou nítida recuperação da economia, porém com dois dados preocupantes: a taxa de investimento atingiu 17,7% do PIB, ante 20,1% no mesmo trimestre de 2008; e a taxa de poupança ficou em 15,5% do PIB, o valor mais baixo desde o terceiro trimestre de 2000, o que se explica pelo aumento do consumo das famílias e da administração pública. Contudo o PIB de 2009 vai depender do resultado do quarto trimestre, mas será ligeiramente inferior a 1%.

NOSSA economia continua em convalescença e a recuperação tem sido mais lenta do que alardeava o governo até a divulgação das contas do terceiro trimestre. Se esse ritmo for mantido por um ano, o resultado será uma expansão de 5,3%. Seria um bom desempenho, especialmente se comparado com o previsto para a maioria dos países desenvolvidos. Mas o passo continua bem mais vagaroso que o estimado, até há poucos dias, pelo ministro Guido Mantega. Não há motivo para grande frustração. Mas o governo deveria aproveitar esse choque de realidade para abandonar o triunfalismo e examinar os fatos com um pouco mais de equilíbrio e de atenção no médio e no longo prazos.

EXISTEM alguns dados animadores no cenário apresentado pelo IBGE. Do lado da oferta, o principal destaque foi a produção industrial, com crescimento de 2,9% no trimestre. A indústria ainda é o mais importante motor da economia brasileira e a fonte dos empregos de qualidade mais alta.

APESAR da crise, a massa de rendimento real das famílias cresceu. A inflação controlada contribuiu para a preservação e até para o aumento do valor real dos salários. O crédito e os incentivos fiscais também ajudaram as famílias a continuar consumindo e isso amorteceu os efeitos da crise importada.

PRÉM, esse quadro tem alguns detalhes muito preocupantes. Um deles é o baixo nível do investimento. Embora a soma investida tenha aumentado consideravelmente no terceiro trimestre, o valor ainda correspondeu a apenas 17,7% do PIB, proporção inferior àquelas observadas nos mesmos trimestres dos dois anos anteriores. A taxa de poupança caiu de 19,7% para 15,5% no intervalo de um ano. Parte do investimento foi coberta, portanto, pelo ingresso de capital estrangeiro.

NADA tem de equivocado, em princípio, no uso de capital externo para financiar parte dos gastos em máquinas, equipamentos e construções necessários ao fortalecimento e à expansão da economia nacional. Mas há motivo para preocupação quando isso ocorre por causa da redução da poupança e não do aumento do valor aplicado na ampliação e na modernização do parque produtivo.

ESSA diminuição da poupança apresentada nos levantamentos do IBGE ocorreu principalmente por causa do crescente desajuste das contas públicas. Ontem, os ministros de Estado do Planejamento Orçamento e Gestão, Paulo Bernardo (PT-RS), e de Estado da Fazenda, Guido Mantega, negaram qualquer excesso no custeio do setor público. Não há problema, segundo eles, porque o chamado consumo do governo aumentou 0,5% entre o segundo e o terceiro trimestres, enquanto o PIB aumentou 1,3%, mais que o dobro, portanto. Mas a história é muito diferente quando se examinam os números acumulados no ano. Até Setembro, o PIB foi 1,7% menor que o de um ano antes, mas o consumo do setor público foi 2,8% maior. Isso se explica em boa parte pelas despesas com pessoal e com a Previdência e Seguridade Social. A folha salarial do setor público tem crescido regularmente, o governo federal tem sido o mais generoso tanto na contratação de pessoal quanto na concessão de aumentos.

TAIS DESPEZAS continuarão a crescer em 2010 porque o governo federal, mesmo na crise, não deixou de inflar os salários dos servidores públicos nem renunciou a continuar expandindo o quadro de pessoal. O ministro Mantega promete respeitar a meta fiscal fixada para 2010, mas todos os dados conhecidos só permitem prever maior deterioração das contas públicas. O governo, disse Mantega à nossa reportagem, só cortará gastos quando isso for necessário. Se ele ainda não julga necessário, os brasileiros têm um forte motivo para se preocupar, especialmente em tempo de campanha eleitoral.

DIANTE da lenta recuperação econômica, o Banco Central Brasil, como autoridade monetária nacional, poderia retardar a próxima elevação de juros. Mas será preciso considerar, na formulação da política monetária, também a evolução das contas públicas. A perspectiva, por esse lado, é muito ruim, muito mais pela gastança do que pela ampliação dos incentivos fiscais.

COM ESSES dados do PIB no 3º trimestre, apresentando crescimento muito inferior ao previsto, os operadores do mercado financeiro consideram que haverá adiamento do aumento da Taxa Selic para o fim do 1º semestre de 2010 ou, mais provavelmente, para o 3º trimestre - o que se refletiu no recuo das taxas de juros futuras.

AQUI nos cabe avaliar se os dados do PIB justificam uma decisão dessa, sempre difícil, na medida em que as autoridades monetárias sabem que uma mudança da Taxa Selic demora quase seis meses para surtir efeito.

DOIS FATORES contribuíram para a reação do mercado: a FBCF teve aumento de 6,5%, ante 2% no trimestre anterior; e a produção industrial, crescimento de 2,9%, ante 2,6%; enquanto o crescimento do consumo das famílias passava de 2,4% para 2% do 2º trimestre para o 3º trimestre.

ESSE FORTE crescimento da indústria, o aumento dos investimentos e o menor crescimento do consumo das famílias justificaram a manutenção da Taxa Selic. Note-se que, no acumulado do ano, em relação ao mesmo período de 2008, os investimentos foram 14,2% menores, a indústria de transformação cresceu 10,7% menos, enquanto o consumo das famílias crescia 2,8% e o da administração pública, 3,3%.

NESSE 4º trimestre de 2009 vai-se registrar um novo aumento do consumo das famílias em razão das festas do final do ano e, seguramente, um crescimento do consumo público. Essa evolução deverá ser mantida em 2010. É muito provável que a indústria continue a aumentar sua produção e seus investimentos e que o Comitê da Política Monetária (Copom) do BC acompanhe com cuidado o possível descasamento entre o consumo das famílias (que representa 63% do PIB) e a produção industrial, que depende dos investimentos, dando atenção especial ao consumo da administração pública (12,9% do PIB) e a seu financiamento.

COM EFEITO, um aumento do déficit e um maior endividamento externo se traduzem por elevação da taxa de juros. As necessidades de financiamento da economia, de R$ 10,9 bilhões no 3º trimestre de 2008, foram de R$ 12,2 bilhões no 3º trimestre de 2009, enquanto as transações passivas e o patrimônio líquido da economia nacional passaram, no mesmo período, de R$ 7,6 bilhões para R$ 50,1 bilhões. Tem de se levar em conta uma possível desvalorização do real, que teria um efeito muito grande sobre os preços. ASSIM verifica-se que é imprudente prever a reação das autoridades monetárias.