Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

quinta-feira, julho 02, 2009

A esgarces do precipício

Nos últimos oito anos denúncias gravíssimas derrubaram três presidentes do Senado Federal. Os dois primeiros, o saudoso Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) e, o agora deputado federal, Jader Barbalho (PMDB-PA), renunciaram ao mandato para não serem cassados e ter suspensos os direitos políticos em decorrência de processos contra eles no Conselho de Ética daquela Casa do Legislativo, por quebra de decoro. O terceiro, Renan Calheiros (PMDB-AL), renunciou apenas à presidência no bojo de um acordo que lhe permitiu manter a cadeira de senador em 2007. Foram três episódios não menos deploráveis do que os fatos que lhes deram origem. Antônio Carlos Magalhães saiu em Maio de 2001 (para voltar em 2003) porque se comprovou que ordenara a violação do painel eletrônico de votações daquela Casa. Barbalho saiu cinco meses depois (também para voltar, mas dessa vez à Câmara dos Deputados) porque se comprovou que mentira aos seus pares sobre o seu envolvimento em desvios de verbas no Banco do Estado do Pará e porque barrou um requerimento que pedia ao Banco Central (BC) os relatórios elaborados sobre o assunto. E Calheiros precisou entregar os anéis para conservar os dedos porque se comprovou que usara laranjas para comprar um grupo de comunicação em Alagoas - descoberta que se seguiu à notícia de que um lobista de empreiteira pagava as suas contas relacionadas com uma ligação extraconjugal.

CADA UMA destas histórias é uma história. Mas a trajetória da queda é a mesma nos três casos. Simplificando, passa por duas etapas. A primeira é o esgarçamento da roupagem de inocência que os acusados envergam tão logo brotam as denúncias que os expõem. À medida que elas se robustecem, as costuras do traje se desfazem e a ruptura da aparência de moralidade ostentada pelos visados conduz ao ato derradeiro: a vaporização das condições políticas para a sua permanência no comando da instituição. É quando soa oca até aos aliados da véspera a teoria conspiratória a que invariavelmente se agarram, fantasiados de vítimas, como à proverbial tábua de salvação dos náufragos. É nesse estágio que se encontra o senador José Sarney (PMDB-AP), a cada dia mais perto de não conseguir completar o seu terceiro mandato na presidência do Sendo Federal, para o qual foi eleito em Fevereiro último. Contra ele não pesa nada tão definido ou contundente como um painel, um banco, um lobista. Mas o apadrinhamento do capo da burocracia do Senado Federal, o ex-diretor-geral Agaciel Maia, que, em 14 anos de vastos poderes e em conluio com sabe-se lá quantos políticos, produziu uma profusão de escândalos. Na era Agaciel, proliferaram nomeações de parentes e apaniguados de Sarney - enquanto, a julgar por seus protestos de ignorância, ele pisava nos astros, distraído.

SEU OBSTINADO distanciamento da enxurrada de atos administrativos secretos trazidos à tona nas últimas semanas levou de roldão as credenciais éticas que pudesse ter para "limpar as lixeiras da Casa", conforme as palavras que escolheu para dizer o que não queria fazer. Daí ao desfalque de seu patrimônio político foi um passo, na repetição do velho script. "Tem de sair", discursou na Quinta-feira, 25, o correligionário Pedro Simon (PMDB-RS), o primeiro da fila de colegas com a mesma exigência, na gritante ausência de qualquer líder sarneysista em plenário - e dele próprio. A gota d?água foi a revelação da reportagem do Jornal O Estado de S. Paulo, segundo a qual José Adriano Cordeiro Sarney, neto do presidente e filho de um deputado, é sócio de uma empresa que desde 2007 intermedeia empréstimos consignados para servidores do Senado Federal, um negócio que movimenta cerca de R$ 144 milhões por ano na instituição. A resposta do clã foi invocar o respeitável currículo acadêmico do neto. Como se o ponto fosse esse e não o provável favorecimento na contratação da sua firma - ainda mais em um setor já sob investigação policial por corrupção e tráfico de influência, envolvendo o ex-diretor de Recursos Humanos do Senado Federal, João Carlos Zoghbi, vinculado a Agaciel Maia.

LANÇANDO a carta forjada do complô, Zé Sarney tentou atribuir a divulgação do caso a "uma campanha midiática" para atingi-lo, presumivelmente em razão do seu "apoio ao presidente Luiz Inácio da Silva e seu governo". O pedido de socorro não poderia ser mais eloquente. Mas “O-CARA” já baixou o tom de sua defesa do aliado. Não repete que ele não pode ser tratado "como se fosse uma pessoa comum". Agora se limita a dizer que Zé Sarney "tem um compromisso de fazer apuração e ele diz que está fazendo". Para arrematar: "Só espero que haja apuração, só isso."

Guinada conservadora

A PRIMEIRA vítima política da recessão no mundo desenvolvido acaba de ser identificada. Trata-se do que se chamava no Brasil dos anos 1970 o "raciocínio em bloco". Aplicado à crise, o pensamento simplório levaria à previsão segura de que os partidos conservadores, com a sua filosofia antiestatista e as suas políticas orientadas para o mercado, sofreriam uma derrota devastadora seja lá onde os eleitores fossem às urnas depois da tsunami atribuído à desregulamentação dos negócios financeiros e em meio à onda de desemprego em massa. Eis que o eleitorado dos 27 membros da União Europeia (UE), chamado a escolher os representantes de seus países no Parlamento regional, na votação de quatro dias terminada no domingo, preferiu infligir aos progressistas uma humilhação sem precedentes desde a criação do bloco que hoje se estende do Mar do Norte ao Mediterrâneo, do Báltico aos Bálcãs.

EM GERAL, o resultado desse tipo de eleição tende a refletir o estado de espírito das diferentes populações em relação aos seus dirigentes de turno. Desta vez, a tradição não contou. Em vez dela, impondo-se às questões nacionais, prevaleceu uma impressionante convergência de opinião sobre quais setores políticos estariam qualificados para soerguer as economias europeias. Esse divisor de águas premiou partidos e governantes conservadores de centro e puniu - severamente - partidos e governantes progressistas. Políticos conservadores de centro ocuparão cerca de 270 das 736 cadeiras do Parlamento sediado em Estrasburgo. Socialistas e congêneres, 160. Na França, a UMP, o partido do presidente Nicolas Sarkozy, bateu a oposição socialista por 28% a 17% dos votos, o que o autoriza a se declarar o maior vitorioso da disputa supranacional. De fato, nunca antes um presidente francês levou a melhor numa eleição para o Legislativo europeu, em 30 anos de votações.

NA ITÁLIA, onde os progressistas contavam com a escandalosa vida pessoal do primeiro-ministro Silvio Berlusconi para se desforrar da sua terceira eleição no país, há um ano, a chapa por ele apoiada tornou a bater a do Partido Democrático, de oposição. Na Alemanha, que elege 99 dos 736 parlamentares da UE e onde o governo é conduzido pela chamada Grande Coalizão entre a democracia cristã da chanceler Angela Merkel e a social-democracia, embora o seu partido tenha perdido 6 pontos em relação ao mesmo pleito anterior, superou o aliado por 38% a 21%. "Foi um resultado significativamente pior do que esperávamos", reconheceu o presidente social-democrata Franz Müntefering. Pior também porque pode ser uma prévia das eleições alemãs de Setembro próximo. Nesse caso, Merkel terá maioria parlamentar suficiente para formar com a União Social Cristã e os Democratas Livres um novo governo puro de conservadores de centro.