Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

segunda-feira, abril 23, 2012

No negativo


AO fazer um balanço dos dois anos em que esteve à frente do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Cezar Peluso surpreendeu ao reconhecer que não teve força política para aumentar o orçamento da Justiça nem para ver aprovadas as propostas que, a seu ver, descongestionariam os tribunais e acelerariam o processo de execução das decisões judiciais. Raras vezes, na história do Poder Judiciário, um presidente de um tribunal superior deixou o cargo ressaltando mais os fracassos do que as realizações de sua gestão.

O DEPOIMENTO de Peluso que transferiu o cargo, no último dia 19, para o ministro Carlos Ayres Britto - foi feito ao site Consultor Jurídico na Internet e deixou os meios forenses e políticos perplexos, entre outros motivos, por causa das explicações que deu para as promessas que não cumpriu e as medidas que não conseguiu implementar.

AO justificar o engavetamento da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que prevê o cumprimento de decisões judiciais antes do trânsito em julgado, por exemplo, o presidente do STF atribuiu a responsabilidade ao senador Francisco Dornelles (PP-RJ). "A PEC só não foi votada porque o Dornelles complicou. Quem o senador representa? Ele é do Partido Progressista (PP) ou do BB - das bancas e bancos. Estes são os grandes interessados na discussão. O Dornelles é senador da República pelo Rio de Janeiro, mas representa, de fato, os interesses dos bancos e representantes de grandes bancas de advogados em Brasília", disse Peluso, com surpreendente agressividade. A PEC, de fato, foi criticada por juristas e ministros do STF, por ferir garantias fundamentais.

AO explicar por que não conseguiu reajustar os salários da magistratura, Peluso acusou a presidente da República, Dilma Rousseff (PT-RS), de descumprir a Constituição Federal do Brasil (CFB), retirando do Orçamento da União a proposta, por ele encaminhada, de aumento das verbas da Justiça. "Mandei ofício à presidente citando precedentes, dizendo que o Executivo não poderia mexer na proposta orçamentária do Judiciário, que é um Poder independente. Quem poderia divergir era o Congresso Nacional. Ela simplesmente ignorou", afirmou Peluso, sem considerar que os Poderes são autônomos, mas o cofre é um só e a responsabilidade sobre o que entra e sobre o que sai é do Poder Executivo. O ministro também acusou Rousseff de não cumprir o inciso X do artigo 37 da CFB, que prevê "revisão anual geral da remuneração dos servidores públicos. Interpretou, assim, o conceito de revisão" - que significa "análise" ou "exame", segundo os dicionários - como obrigatoriedade de aumento.

ALÉM de fustigar colegas do STF - como o relator do processo do Mensalão, ministro Joaquim Barbosa, de quem disse que julga mais com base em motivações políticas do que jurídicas -, Peluso investiu contra a corregedora nacional de justiça, ministra Eliana Calmon. "Ela fez várias denúncias, mas até agora não apresentou resultado concreto algum. Ela está se perdendo no contato com a mídia e deixando de lado o foco, a procura de resultados concretos. No mês de Setembro, ela sai e retorna para o tribunal dela, que é o Superior Tribunal de Justiça (STJ). São apenas três meses. Que legado deixou?", perguntou Peluso, esquecendo-se de que a corregedora submeteu as Justiças estaduais a auditorias, investigou 1.016 integrantes do Judiciário sob suspeita de terem feito movimentações financeiras atípicas e afastou juízes e desembargadores por desvio de conduta.

NAQUELA entrevista ao site Consultor Jurídico na internet, Peluso ainda deixou transparecer seu arraigado corporativismo. Ele afirmou que, na corregedoria do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), "resolvia os problemas sem alarde ou sem escarcéu". E em sua gestão à frente do CNJ, como é sabido, propôs que o julgamento de processos administrativos contra juízes acusados de desvio de conduta não fosse público, mas fechado. E, para preservar a imagem desses magistrados, também determinou que seus nomes não fossem divulgados, mas somente as iniciais.

SEM se envolver nessa polêmica, mas reafirmando o que sempre defendeu em seus votos e entrevistas, o sucessor de Peluso na presidência do STF, ministro Carlos Ayres Brito já deixou claro que apóia o CNJ e defende o máximo de transparência nos julgamentos do órgão e do STF. Ainda bem!