Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

terça-feira, julho 21, 2009

Delírios em Harvard

RAUL SOARES (MG) - ROBERTO Mangabeira Unger (PDT-RJ), há algumas semanas, deixou o Ministério e voltou para a Universidade Harvard, nos Estados Unidos da América (EUA), onde leciona direito desde meados da década de 1970, porque a reitoria daquela renomada instituição norte-americana se recusou a prorrogar a licença que solicitara há dois anos. Na realidade, o que Mangabeira Unger receava era não completar o período necessário para se aposentar pela instituição - algo de todo compreensível, desde que o interessado não pretenda ao mesmo tempo enveredar pela vida pública, a fim de desfrutar do melhor dos dois mundos. De todo modo, é o caso de dizer que a sua ausência preencherá uma lacuna. A direção de Harvard livrou o vosso presidente da República da cansativa companhia de uma das mais pretensiosas figuras que já passaram pelo Palácio do Planalto, cuja megalomania só se compara ao seu também irrefreável oportunismo - o que, pelos padrões do centro do poder nacional, não é propriamente pouca coisa.

SUA PASSAGEM pela Esplanada dos Ministérios, no Distrito Federal (DF), foi um exemplo peculiar dos efeitos do compadrio político. Em 2007, para fazer um favor ao vice-presidente da República, José Alencar Gomes da Silva (PRB-MG), Luiz Inácio da Silva (PT-SP) deu um jeito de abrigar o dublê de acadêmico, demiurgo e consultor regiamente pago (do banqueiro Daniel Dantas) que, depois de passar pelo PMDB, PDT e PPS, se hospedara no evangélico PRB de José Alencar. Nunca antes na história desta administração o vosso presidente tinha acolhido um crítico tão implacável dos seus procedimentos. Meros dois anos antes, ele escrevera que “o governo Luiz Inácio da Silva era o governo mais corrupto" que o País já havia conhecido. "Corrupção tanto mais nefasta", explicara, "por servir à compra de congressistas, à politização da Polícia Federal e das agências reguladoras, ao achincalhamento dos partidos políticos e à tentativa de dobrar qualquer instituição do Estado capaz de se contrapor a seus desmandos". Mas em Brasília (DF) a catilinária de ontem é a louvação de hoje, e a memória é sempre seletiva.

PARA acomodar Mangabeira Unger, “O-CARA” criou uma Secretaria Especial para Ações de Longo Prazo (SEALP), cuja denominação precisou ser mudada para Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), porque, numa eloqüente irreverência, logo ficara conhecida como Sealopra. A primeira e duradoura conseqüência nefasta desse arranjo foi a transferência do respeitado Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) do Ministério do Planejamento Orçamento e Gestão para a nova e descarnada repartição, abrindo as portas ao seu aparelhamento pelo petismo mais ideologicamente retardado. De tudo mais se encarregava o ministro que nunca perdeu a oportunidade de dizer em mil palavras o que se poderia dizer em cem. O produto resultou nas resmas de propostas salvacionistas sobre lo que quiera, como dizem os espanhóis: relações de trabalho, estrutura do Estado, políticas regionais, defesa nacional, ensino médio?

TALVEZ para que se ocupasse de algo menos fosfórico, o vosso presidente da República o incumbiu de coordenar o Plano Amazônia Sustentável (PAS), o que provocou a saída da então ministra de Estado do Meio Ambiente, senadora Marina Silva (PT-AC), que afirmou na saída: "perco o pescoço, mas não perco o juízo", e a Estratégia Nacional de Defesa, do que resultou um texto delirante em cuja apresentação Mangabeira Unger bradou: "O Brasil vai às armas!" Provavelmente Mangabeira Unger gostaria que as suas "políticas transformadoras" o levassem a ser tido como um genial visionário. Mas as suas idéias são, antes, as de "um bicho estranho", como “O-CARA” o classificou diante de uma amostra delas. A colega jornalista Rosangela Bittar, do Jornal Valor Econômico, lembra que, certa vez, a ministra-chefe do Gabinete Civil da Presidência da República, Dilma Rousseff (PT-SP), convocou uma reunião de ministros para discutir outra obra da lavra do professor Mangabeira Unger, o Plano Nordeste. Alguns deles não esconderam a perplexidade ao ler a sua exaltação ao mel de Picos, árida cidade piauiense, "quando na região já se apresentavam nichos importantes de exportação, deixados ao largo pelo autor".

AGORA, Mangabeira Unger pretende que a sua volta para Harvard seja temporária, entremeada de incursões periódicas ao Brasil. Diz que o “O-CARA” o convidou para ser conselheiro e consultor do governo. E já espalhou a sua intenção de mudar de partido pela quarta vez, regressando ao PMDB, para o que der e vier em 2010. "Estou ampliando todas as minhas possibilidades", disse à reportagem do Jornal Folha de S.Paulo. Desde apoiar a candidatura Rousseff, de quem parece fantasiar o lugar de vice, "até ser eu mesmo o candidato" - confirmando que nada para o seu avantajado ego rivaliza em grandeza com ele mesmo.