Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

segunda-feira, janeiro 21, 2013

Atoleiros

ACAPULCO (MEXICO) - BOURBIER é a incômoda palavra que começa a se espalhar na França a respeito da intervenção militar do país no Mali. "Atoleiro" é a melhor tradução. Depois do entusiasmo inicial com a decisão do presidente da República, François Hollande, de ajudar o Exército malinês a deter o avanço de radicais islâmicos rumo à capital do país, Bamako, surgem dúvidas sobre se a intervenção não está indo longe demais. Hollande mandou mais soldados - o contingente total deve chegar a 2 mil - e, agora, blindados franceses participam de missões de combate.


A TÍTULO de enfrentar a ameaça terrorista no Norte da África, o presidente francês pode ter dado a um grupo de extremistas pouco expressivo a oportunidade de angariar apoio de outros radicais, transformando a ação numa "luta contra o neocolonialismo" ocidental. Na semana passada, jihadistas tomaram um campo de gás da companhia British Petroleum na Argélia, fazendo dezenas de reféns, entre eles 41 estrangeiros, e disseram que seu ataque era uma reação à ofensiva francesa.



O GOVERNO argelino lançou uma operação de resgate, e havia versões conflitantes sobre o resultado. Seja como for, o pior dos cenários traçados por Paris, isto é, o revide de terroristas contra interesses franceses e ocidentais, pode estar se tornando real.



O SOCIALISTA Hollande, que se elegeu prometendo reduzir a participação da França em ações militares no exterior, como a que ajudou a derrubar o ditador líbio Muamar Kadafi, já começa a ser criticado por ter assumido a responsabilidade de conter os terroristas africanos. Para o ex-primeiro-ministro francês, Dominique de Villepin, de centro-direita, Hollande foi contaminado pelo "vírus neoconservador", numa referência aos "neocons", responsáveis por empurrar os Estados Unidos da América (EUA) para a Guerra do Iraque, vista como exemplo de "atoleiro".



NO entanto, pode-se dizer que a França não tinha alternativa, já que não é possível contar mais com a liderança dos EUA em ações desse tipo, graças à "doutrina Obama", que preconiza o crescente desengajamento militar norte-americano. A França surge assim como o único anteparo ocidental firme contra o extremismo islâmico originado no Norte da África. Hollande pode ter lá seus próprios compromissos ideológicos, mas parece ter percebido que, como chefe de Estado, tem responsabilidades incontornáveis - e a segurança da França é a principal delas.



O GRANDE problema do conflito no Mali é sua obscuridade. O governo norte-americano, que tenta monitorar os grupos radicais malineses, tem apenas uma compreensão "impressionista" sobre esses extremistas, segundo a reportagem do The New York Times (NYT). Para o secretário-assistente de Estado Norte-Americano para assuntos africanos, Johnnie Carson, os jihadistas, afiliados à Al-Qaeda, "não demonstraram capacidade de ameaçar os interesses norte-americanos e não ameaçaram atacar os EUA". Além disso, esses grupos ainda não têm a musculatura que a Al-Qaeda do finado Osama bin Laden exibia, e muitos de seus integrantes são apenas traficantes de drogas e outros criminosos que aproveitaram a oportunidade para ganhar dinheiro. Contudo, o governo da França não quis pagar para ver e decidiu, ante a indecisão dos vizinhos do Mali, evitar que esses radicais islâmicos, já presentes na Líbia e agora na Argélia, conseguissem estabelecer uma espécie de Afeganistão, isto é, um santuário terrorista, numa região tão estratégica para os europeus.



PARA a França, assim como para os EUA e o Reino Unido da Grã-Bretanha, que fornecem ajuda logística aos militares franceses, interessa limitar seus objetivos militares e internacionalizar o esforço de guerra contra os radicais islâmicos o mais rápido possível, envolvendo os países africanos, principalmente a Argélia, que costuma ser implacável com os extremistas islâmicos. O objetivo é duplo: esvaziar o discurso segundo o qual o governo francês age conforme velhos interesses coloniais e permitir que os soldados franceses voltem logo para casa, antes que o atoleiro os engula. Apesar de todos os dilemas e problemas, no entanto, que não reste dúvida: ante a perspectiva do fortalecimento de grupos terroristas instalados às portas da Europa, o Ocidente não poderia ficar de braços cruzados.