Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

segunda-feira, novembro 29, 2010

Batalhas no "Quinto Mundo"

EQUIVOCOU-SE o secretário de Estado de Segurança Pública do Rio Janeiro, o delegado licenciado do Departamento de Polícia Federal (DPF), José Mariano Beltrame. Na última Quinta-feira, 25, depois da ocupação da Favela Vila Cruzeiro e da fuga em massa dos narcotraficantes que fizeram daquela área de mais de 200 mil metros quadrados, na Zona Norte da Capital fluminense, o principal baluarte do crime organizado na Cidade Maravilha Mutante, Beltrame declarou: "Ainda não há nada a comemorar”.

COMPREENSÍVEL e até louvável sua prudência. Porém há, sim, muito a comemorar, pela competente operação com que as autoridades policiais fluminenses responderam aos atos terroristas que desde o começo da semana que passou haviam transformado o Rio de Janeiro numa espécie de capital tropical do Quinto Mundo, com uma profusão de arrastões, queima de veículos e tiroteios que, até este último Domingo, 28, já haviam matado pelo menos 35 pessoas.

ANTES de tudo deve-se comemorar um acontecimento sem precedentes: a participação de parte das Forças Armadas Nacionais, no caso a Marinha do Brasil, no combate não propriamente ao narcotráfico, mas ao poder incontrastável exercido por suas gangues sobre núcleos inteiros da Cidade. Vila Cruzeiro, por exemplo, era o quartel-general do Comando Vermelho (o CV – facção criminosa do Rio de Janeiro), assim como a Favela da Rocinha é a base da facção rival A.D.A (Amigos dos Amigos).

SEM a decisão do comando da Marinha de atender prontamente a um pedido de apoio logístico das autoridades estaduais fluminenses - cedendo veículos blindados, carros-lagarta e viaturas para transporte de tropas, além de 70 fuzileiros navais para manejá-los -, a mobilização de meio milhar de policiais do Batalhão de Operações Especiais (Bope) da Polícia Militar (PMERJ) e Polícia Civil do Rio de Janeiro (PCRJ) só poderia ter êxito a um preço impensável: a mortandade de sabe-se lá quantos inocentes na batalha campal que seria travada.

POIS, comemore-se o "feito de armas" que pode mudar o curso do que, em última análise, é uma guerra pelo controle do Estado do Rio de Janeiro. Desde a semana passada a repressão ao crime organizado na Cidade visa mais do que nunca o pior dos seus desdobramentos: os verdadeiros governos paralelos, ou melhor, as tiranias brutais do narcotráfico e das milícias. "A comunidade hoje pertence ao Estado", resumiu um dos responsáveis pela dramática operação na Vila Cruzeiro, transmitida ao vivo pelo canal de notícias e Jornalismo GLOBONEWS (TV GLOBO/GLOBOSAT/SKY-NET), com câmaras instaladas em helicópteros. Foi também pela TV que o País acompanhou a debandada da bandidagem para o Complexo do Alemão (o aglomerado de vilas e favelas), do outro lado da encosta - o novo alvo das forças de segurança, desta vez com o engajamento do DPF.

DURANTE muito tempo ainda o narcotráfico terá de ser combatido em muitas frentes, não raro distantes dos centros urbanos onde prospera, como as regiões de fronteira no extremo norte do País. Mas uma coisa é a droga, outra é o banimento do poder público de áreas usadas como centros de distribuição, baluartes para as máfias que as dominam e nelas criam mercados cativos de bens e serviços.

O ESTADO Brasileiro tem de retomar os feudos do crime não apenas para manter a sua integridade, proteger e prover as suas populações, mas também para desestruturar as quadrilhas e torná-las mais vulneráveis à ação policial. Falando da fuga dos criminosos da Vila Cruzeiro, o secretário Beltrame observou que o ataque "tirou dessas pessoas o que nunca foi retirado: o seu território. É importante apreender drogas. Mas é mais importante tirar o território", disse ainda. Naturalmente, está fora de cogitação o que equivaleria a retirar e devolver. As forças que recuperarem a favela não poderão sair dali tão logo. Nem será do dia para a noite que ali se instalará uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP). O trabalho "vai demandar um esforço muito grande", avisa Beltrame.

ALIÁS, as poucas UPPs que já funcionam (em comparação com o que o Estado do Rio de Janeiro necessita) afetaram os narcotraficantes a ponto de fazê-los desencadear a ofensiva terrorista que ensejou, afinal, a cooperação entre as Forças Armadas do Brasil e as autoridades da Segurança Pública naquele Estado - a ser ampliada, por decisão do governo federal, com o envio de helicópteros, veículos e equipamentos de apoio logístico. Além disso, informou o ministro de Estado da Defesa, Nelson Jobim (PMDB-RS), 800 soldados do Exército serão deslocados para "garantir a proteção dos perímetros das áreas que forem ocupadas pelas polícias".