Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

sexta-feira, setembro 02, 2011

O corporativismo dos “picaretas”

A JULGAR pelo desfecho da votação na noite da última Terça-feira, 30, pode-se presumir que um bom número de “picaretas" tem assento na Câmara dos Deputados. São, antes de tudo, os 265 parlamentares que absolveram da cassação do mandato parlamentar a colega - no sentido puramente formal do termo - Jaqueline Roriz (PMN-DF), filha do notório capo político do Distrito Federal, Joaquim Roriz (PMN-DF), filmada em 2006 recebendo dinheiro do pivô (e depois delator) do esquema de corrupção alcunhado de “Mensalão do DEM”, Durval Barbosa. A bolada se destinava ao caixa 2 da campanha de Jaqueline a um segundo mandato na Câmara Legislativa do DF. A cena foi divulgada em Múltimo pela reportagem do Jornal O Estado de S. Paulo (o Estadão).

AOS 265 deputados federais que não perderam mais essa oportunidade de induzir a opinião pública a perder as migalhas de respeito que ainda pudesse ter por seus representantes, somem-se os 20 parlamentares que se abstiveram e os 62 parlamentares que nem sequer compareceram à sessão. Dá um total de 347 deputados federais. Mesmo que um punhado deles possa oferecer desculpas aceitáveis para a abstenção ou a omissão, o número é acachapante. Não custa lembrar que, em decisão aberta, o Conselho de Ética da Câmara dos Deputados havia aprovado por 11 a 3 o pedido do Partido do Socialismo da Liberdade (PSOL) para a abertura de processo parlamentar contra a deputada Jaqueline Roriz por quebra de decoro, para a sua subsequente expulsão daquela Casa do Poder Legislativo federal.

RIGOROSAMENTE, os que preservaram o mandato da deputada Roriz agiram como quem faz um seguro para proteger a própria carreira. Afinal, mais dia, menos dia, podem surgir contra qualquer deles provas irrefutáveis de bandalheiras que tenham praticado antes de se aboletar no Poder Legislativo federal, pondo em xeque o bem-bom de que desfrutam. A cassação de Jaqueline Roriz abriria um intolerável precedente. Criaria uma legítima jurisprudência política, segundo a qual o procedimento indecoroso é incompatível com o processo eleitoral e a atividade parlamentar, seja quando e em que circunstâncias haja ocorrido. Não se trata de refazer a história, como alegam desavergonhadamente os defensores da impunidade.

POR uma simples razão: os 100.051 eleitores do DF que em Outubro último marcaram na urna eletrônica o nome de Jaqueline Roriz não sabiam que ela recebera dinheiro sujo ao menos uma vez, no vasto esquema rorista de corrupção mantido pelo então governador José Roberto Arruda (DEM-DF) – a propósito, também ele foi flagrado embolsando R$ 50 mil do mesmo operador Durval Barbosa que financiou a deputada Roriz. Ainda que 100.050 daqueles eleitores não dessem a mínima para o delito posteriormente evidenciado, bastaria um único caso de lesa-eleitor para tornar ilegítimo o mandato da deputada.

ENTÃO, contesta-se a Lei da Ficha Limpa porque ela impede o registro da candidatura de políticos que tenham sido inculpados por fatos anteriores ao advento da medida saneadora. O argumento é que as leis só podem retroagir em benefício dos réus. Na realidade, porém, o passado de um candidato não pode conter transgressões ao princípio constitucional da moralidade na vida pública. Assim também na questão do decoro parlamentar. Trata-se de uma exigência que precede o momento em que o político põe os pés pela primeira vez numa Casa do Poder Legislativo.

MAS para os deputados que seguraram a cadeira da deputada Roriz, para garantir as cadeiras deles em circunstâncias similares, é como se a integridade não fosse parte inamovível do caráter de cada qual. Teria uma espécie de prazo de validade às avessas e poderia, ou não, se manifestar conforme a circunscrição territorial em que se movem. Isso, em meio à aberração do voto secreto no Parlamento. Nesse sistema de valores virado de ponta-cabeça, nada mais natural do que a queixa de Jaqueline Roriz, antes da votação, de que a Imprensa, ao expô-la, havia destruído a sua "honra".