Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

quinta-feira, março 25, 2010

Vitória, antes tarde do que nunca

POLÍTICO mais influente e poderoso do Planeta, o presidente da República dos Estados Unidos da América (EUA), Barack Houssein Obama fez história - e dessa vez não foi com um discurso. Depois de 14 meses, ele cumpriu no último Domingo, 21, a sua principal promessa de campanha: a reforma do sistema de Saúde dos EUA. A começar de Franklin Roosevelt, nos anos 1930, nenhum representante democrata na Presidência da República Norte-Americana conseguiu subsidiar o acesso da vasta maioria da população a planos privados -, que, em geral, esfolam os seus clientes e os desassistem na pior hora. Só os maiores de 65 anos e os muito pobres têm essa proteção, graças aos programas Medicare e Medicaid do governo Lyndon Johnson, na década de 1960. O feito de Obama não é apenas inédito. Há poucos meses, o seu projeto parecia ter entrado em coma.

EXPLICADO de maneira trapalhada, mal defendido publicamente, malconduzido politicamente e bombardeado pela direita como antiamericano, foi dado como inviável quando, numa eleição solitária que coincidiu com o primeiro aniversário da gestão Barack Obama, o Partido Democrata perdeu no Senado Federal a supermaioria de 60 cadeiras (em 100) e, com isso, o poder de impedir que a minoria republicana obstruísse as votações. O presidente dos EUA chegou a ser aconselhado a patrocinar uma versão aguada de reforma, aceitável pelos não raros democratas recalcitrantes. Despertou, afinal, da indecisão, quando a combativa presidente da Câmara dos Deputados, Nancy Pelosi, lembrou-lhe que jamais o seu governo voltará a ter maioria tão ampla no Capitólio.

NAQUELE momento começou então a se produzir o que vem sendo comparado ao milagre de Lázaro transposto para Washington (DC). Em ânimo de combate, um revivido Obama passou a percorrer o país em defesa da reforma e a promover reuniões privadas e públicas com as bancadas do Capitólio. Tanto a Câmara dos Deputados como o Senado Federal já haviam aprovado, sem um único voto do Partido Republicano, dois projetos divergentes de reforma da saúde. O problema seria fundi-los em um único texto. A dificuldade foi contornada com política, muita política. O engajamento e o senso de urgência de Obama, que o levaram a dar plantão no Congresso Nacional na véspera da decisão, somaram-se à franqueza de seu alerta aos democratas vacilantes. Se o projeto não passar, advertiu, todos os que se seguirem também sofrerão.

E ALÉM de partir para o corpo a corpo com os legisladores, como jamais fizera desde que chegou à Casa Branca, Obama abriu o baú de concessões aos conservadores. Engavetou a ideia - cara à esquerda democrata -, de criar uma empresa pública de seguro-saúde para competir com a rede privada. Aceitou a proibição do uso de fundos federais em procedimentos de aborto (salvo em casos de estupro, incesto e risco de vida) e no próprio domingo da votação assinou um decreto reiterando a proibição. Excluiu os imigrantes ilegais do sistema e impôs regras rigorosas para a inclusão dos legalizados. Por fim, anunciou cortes no Medicare. "Esta não é uma reforma radical", constatou o presidente Obama em pronunciamento depois da vitória. "Mas é uma grande reforma".

SE PROPORCIONASSE cobertura médica aos quase 50 milhões de não segurados, sem distinções legais nem de procedimentos clínicos, seria radical. Mas a reforma é grande porque levará 32 milhões de pessoas a ter seguro-saúde, com o governo subsidiando as mensalidades das famílias de renda baixa e média e a inclusão de dependentes até 26 anos. As seguradoras não poderão negar cobertura por doenças preexistentes ou rescindi-la enquanto o segurado estiver doente. O custo do programa é estimado em US$ 938 bilhões ao longo de 10 anos, mas ao término desse período, devido aos novos impostos que vierem com a reforma, o déficit orçamentário americano ficará US$ 143 bilhões menor.

A CÂMARA dos Deputados decidiu duas vezes. Primeiro, aprovou o projeto do Senado Federal. Votaram a favor 219 deputados, apenas 3 a mais do necessário. Contra, foram 212 (todos os republicanos e 34 democratas). Em seguida, por um placar quase igual, àquela Casa do Legislativo Norte-Americano aprovou um pacote negociado de emendas que caberá aos democratas do Senado Federal ratificar. Mas o presidente Barack Obama pode sancionar desde já o texto principal. Os republicanos tentarão ir à forra nas eleições de meio de mandato, em Novembro próximo. Por ora, de todo modo, é como se Obama tivesse tomado posse novamente, com a roupagem de realizador.