Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

domingo, dezembro 06, 2009

Calote com aviso prévio

RIO DE JANEIRO - OS EFEITOS da crise econômica internacional não cessaram, o setor financeiro ainda vai contabilizar perdas importantes e tem razão quem, como o presidente do Banco Central do Brasil (BC), Henrique Meirelles (PMDB-GO), recomenda cautela. A moratória da estatal Dubai World nos Emirados Árabes Unidos (EAU), em apuros com uma dívida de cerca de US$ 60 bilhões, é mais um alerta sobre as condições ainda precárias da economia mundial. A suspensão de pagamentos afeta credores dentro e fora daquele país e atinge até o Tesouro Nacional do Reino Unido da Grã-Bretanha, por seu respaldo a bancos em dificuldades. O governo de Dubai, no entanto, procura livrar-se de responsabilidades, embora a gigante imobiliária seja controlada pelo setor público. Suas dívidas não têm garantia oficial e os investidores devem assumir a responsabilidade por suas decisões, disse o diretor-geral do Ministério das Finanças do emirado, Abdulrahman Al Saleh. Dirigentes dos maiores bancos centrais e do Fundo Monetário Internacional (FMI) poderiam recitar em coro: "Nós avisamos".

AS CARTEIRAS dos bancos norte-americanos continuam recheadas de hipotecas comerciais de baixa qualidade, disse em depoimento no Congresso Nacional Norte-Americano, o diretor associado de Supervisão do Fed, John Greenlee. Segundo ele, havia inadimplência em cerca de 9% daquelas hipotecas, no fim do segundo trimestre. Naquele momento, os bancos detinham aproximadamente US$ 3,5 trilhões de créditos pendentes e relativos a hipotecas comerciais. As expectativas de perdas, acrescentou, continuam elevadas. Em seu depoimento Greenlee detalhou em linguagem corrente as advertências contidas na Ata da última reunião do Comitê de Mercado Aberto do Federal Reserve (Fed). A ata menciona a expectativa de elevação dos níveis de inadimplência. Muitos bancos pequenos e regionais, segundo o relatório, são vulneráveis a perdas nas carteiras de crédito imobiliário comercial e por isso os novos empréstimos estão contidos. Mas não apenas esses bancos têm limitado suas operações. A contração dos financiamentos bancários ocorre em todo o mercado e só os governos - federal, estaduais e municipais - continuaram a endividar-se em Outubro último.

O PRESIDENTE do Banco Central Europeu (BCEU), Jean-Claude Trichet, também tem mostrado preocupação com a saúde do setor financeiro. Os bancos da Europa ainda terão de passar por um demorado ajuste antes de voltar a condições normais de operação. Os comentários de Trichet valem para os bancos da Europa Ocidental e para os da antiga área socialista, severamente atingidos pela crise financeira global.

O GRAU elevado de desemprego e as condições ainda precárias do mercado imobiliário, tanto nos Estados Unidos da América (EUA) quanto na Europa, dificultam a recuperação do setor financeiro. A desocupação tem o duplo efeito de aumentar a inadimplência dos empréstimos pessoais e de retardar a recuperação do setor de imóveis. Os dois problemas afetam os bancos, forçados a continuar reconhecendo perdas em suas carteiras de empréstimos. Em contrapartida, as instituições financeiras, ainda sujeitas a grande número de calotes, adotam políticas mais prudentes e limitam a concessão de empréstimos. Com isso, dificultam a recuperação da economia. O círculo se fecha.

ESSE quadro foi esboçado, com sucessivas correções, pelo FMI no último ano e meio. Em Outubro, na última edição do Relatório de Estabilidade Financeira Global, os economistas do FMI melhoraram ligeiramente suas estimativas de perdas do sistema financeiro. Pelos novos cálculos, as perdas entre o começo da crise, em 2007, e 2010 devem ficar em cerca de US$ 3,4 trilhões. Em Abril, a estimativa era de US$ 4 trilhões de prejuízos derivados do estouro da bolha americana. O número se refere a bancos de todo o mundo afetados pela mesma onda de problemas.

AINDA segundo o relatório, a inadimplência do setor empresarial americano continuou crescendo neste ano e deve atingir a intensidade máxima neste fim de ano ou no começo de 2010. Mas os problemas do mercado imobiliário e o elevado desemprego continuarão ainda por algum tempo, de acordo com as projeções do FMI, a pressionar os bancos nos EUA e na Europa. Permanece o risco de uma recuperação global lenta e sujeita a uma perda de impulso, se os estímulos fiscais e monetários forem retirados antes da hora. Qual o momento certo para a retirada ninguém sabe por enquanto.