Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

terça-feira, fevereiro 21, 2006

Os capas pretas e o presidente-candidato

WLADMIR ÁLVARO PINHEIRO JARDIM

BELO HORIZONTE

Em vez de ficar tentando desmoralizar as pesquisa de opinião e intenção de voto em que o nome do vosso presidente Luiz Inácio da Silva (PT-SP) vem subindo na preferência do eleitorado, a Oposição deveria definir logo seu candidato e expô-lo, e as suas idéias, ao veredicto da opinião pública. Não faz o menor sentido apontar suspeitas numa pesquisa, sob a alegação de que ela foi encomendada pelo presidente da Confederação Nacional dos Transportes (CNT), o vice-governador de Minas Gerais Clésio Andrade (PL-MG), que foi sócio do lobista Marcos Valério de Souza, o operador do mensalão.

Quando a pesquisa da CNT/Sensus em Novembro passado mostrou o nome de José Serra (PSDB-SP) em primeiro lugar, ninguém se lembrou desse passado de Andrade, nem que, no presente, ele é nada mais nada menos que um aliado do governador Aécio Neves da Cunha (PSDB-MG), um dos líderes nacionais do PSDB que vão escolher o candidato do partido.

Antes de desqualificar a pesquisa, a Oposição alegava, no sitio que o prefeito do Rio de Janeiro, Cesar Maia (PFL-RJ), usa para se pronunciar, que ela não significava grande coisa porque, historicamente, de Dezembro de um ano a Fevereiro do ano seguinte, sempre as avaliações dos governos melhoram. “Numa série de dez anos — excluindo anos em que neste período ocorreu um fato relevante — se pode observar que é sempre assim”, garantia a análise. O que deveria preocupar mesmo os oposicionistas é que algumas simulações indicam que o vosso presidente Luiz Inácio da Silva (2003-6) poderia até mesmo ganhar no primeiro turno, devido à combinação de candidaturas.

Quanto mais candidatos, melhor para a realização de segundo turno, e nesse caso a eventual manutenção da verticalização poderia reduzir o número de concorrentes, favorecendo Luiz Inácio da Silva, que ficou contra ela para agradar o PMDB. Mas, no cenário fotografo pelo Sensus, só há segundo turno quando o candidato do PSDB for José Serra e o do PMDB for o ex-governador do Rio de Janeiro Anthony Garotinho (PMDB-RJ). Mesmo com Garotinho no páreo, quando o candidato peessedebista é o governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSDB-SP), Luiz Inácio venceria no primeiro turno, porque Alckmin não sai da faixa de 18%.

Quando o candidato do PMDB é o governador do Rio Grande do Sul, Germano Rigotto (PMDB-RS), ele recebe míseros 2,5% de intenções de voto, e ajuda Luiz Inácio da Silva a ganhar no primeiro turno, o que reforça a pregação de Garotinho de que a candidatura de Rigotto é “laranja” governista, inflada pela ala governista do PMDB na impossibilidade de unirem-se oficialmente à chapa de Luiz Inácio da Silva.

O cientista político Sérgio Abranches já havia detectado, de maneira indireta, a posição dos eleitores de Rigotto mais próxima a Luiz Inácio da Silva. Analisando as pesquisas, ele constatou que, na média nacional, 36% avaliam positivamente o desempenho de Luiz Inácio da Silva. Entre os que apóiam o presidente, esse percentual chega a 71%, mas nos que votam em outros candidatos, esse percentual cai fortemente.

Entre os eleitores de Serra e de Alckmin, é de 16%. Dos que preferem Garotinho, apenas 21% avaliam Lula positivamente. Entre os que preferem Rigotto, a avaliação positiva chega a 28%, a mais alta, e entre os eleitores da senadora Heloisa Helena (PSOL-AL), bate em 23%. A avaliação líquida de Luiz Inácio da Silva entre os “lulistas” é quase unânime, constata Abranches, enquanto entre os “não-Lula”, “está muito abaixo da média nacional e é negativa para todos, exceto entre os simpatizantes de Germano Rigotto, ficando ligeiramente positiva”.

O fato é que tanto Rigotto quanto Alckmin têm uma dura aposta à frente: convencer seus pares de que crescerão durante a campanha eleitoral. A questão do PMDB é mais complexa, como são todos os movimentos políticos daquele partido. O candidato mais viável até o momento é Garotinho, que desagrada aos caciques partidários. Com Luiz Inácio da Silva crescendo na preferência dos eleitores, os governistas do PMDB ganham força, e se essa tendência permanecer até Junho, data limite das convenções oficiais partidárias, é possível que tenham condições de impor uma mudança de estratégia para apoiar Luiz Inácio da Silva oficialmente.

Para que isso não aconteça, o vencedor das prévias de Março deverá mostrar a capacidade de crescimento de sua candidatura, se não para vencer, pelo menos para disputar com chances, o que impediria a ação dos governistas contra a candidatura própria. Uma candidatura competitiva no primeiro turno, que não seja a de Garotinho, talvez seja a solução mais favorável ao estilo peemedebista para negociações no segundo turno.

Quanto ao PSDB, tudo indica que a possibilidade de acordo com Garotinho começará pela prévia, com os peemedebistas ligados aos tucanos, que são praticamente a metade do partido, ajudando na vitória de Garotinho para inviabilizar as negociações dos governistas. Essa parceria, que começou a ser costurada quando, no fim do ano passado, o ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) telefonou ao ex-governador do Rio de Janeiro para desejar-lhe feliz ano novo, pode evoluir num eventual segundo turno dos peessedebistas contra o petista.

Outro dado fundamental da pesquisa CNT/Sensus é o que mostra o voto espontâneo em no candidato do Partido dos Trabalhadores (PT) na casa dos 30%, quando em Novembro ele era de 19,4%. O voto espontâneo é o considerado praticamente certo, dado pelo pesquisado sem a ajuda da lista que o pesquisador mostra em seguida, com base na qual é contabilizada a votação final. Para comparação, o prefeito José Serra está no patamar de 10%. Se confirmado por outras pesquisas, esse seria o piso do presidente/candidato nesse momento, o que o coloca como franco favorito.

Uma leitura dos resultados mais otimista do ponto de vista dos peessedebistas é a que mostra que o presidente/candidato na verdade cresceu em cima dos indecisos, enquanto Serra apenas oscilou na margem de erro da pesquisa, de três pontos para mais ou para menos. Lula subiu dez pontos, enquanto Serra perdeu 3,9. Os indecisos e os que votariam branco ou nulo somam 14,9%, contra 21% da pesquisa anterior, ou seja, seis pontos percentuais menor. Se tirarmos três pontos de cada um dos candidatos, a diferença entre os dois fica próxima de oito pontos percentuais, mais ou menos a redução dos indecisos, brancos e nulos.

O PSDB está no momento no pior dos mundos: tem em José Serra um candidato competitivo, que teria que fazer um sacrifício pessoal enorme para encarar essa disputa. E tem o governador Geraldo Alckmin, que pode vir a ser competitivo, mas, se não decolar, pode também ajudar o presidente/candidato a vencer no primeiro turno.

Apenas 2% dos pesquisados apontaram o PT como razão principal para votar a favor da reeleição de Luiz Inácio da Silva, o que significa dizer que o partido que serviu de sustentáculo a todas as campanhas eleitorais de Luiz Inácio da Silva hoje já não representa nem mesmo um símbolo mobilizador. Quer dizer também que o presidente está livre para montar seus palanques como bem entender e, caso reeleito, governará com uma coalizão de forças políticas que não terá o PT como centro.

Caso o PMDB venha a formar um eventual segundo governo petista, ele terá um caráter de centro que afastará o perigo de uma tentação chavista, potencialmente perigoso com o PT forte. Teremos que conviver, no entanto, com um governo populista, que terá se elegido à base do assistencialismo, e com a máquina estatal inchada pelo empreguismo. E provavelmente formado com o apoio dos mesmos partidos que estiveram envolvidos nos escândalos de corrupção e sustentados financeiramente pelo delubiovalerioduto. Será um governo fraco institucionalmente.

Na verdade, Luiz Inácio da Silva, com a balela de que de nada sabia, conseguiu se desvencilhar de todos os que lhe poderiam manchar a imagem, como o ex-todo-poderoso comissário cassado Zé Dirceu (PT-SP), e não se deixou respingar pela lama que atingiu em cheio o PT. Se pudesse, Luiz Inácio da Silva teria evitado o discurso na festa de aniversário petista, na semana passada, onde mais uma vez expôs sua peculiar visão do mundo. Para defender os “companheiros”, ele voltou a falar genericamente em perdão, fingindo não saber a diferença entre crime e um mero erro. Cada vez que abre a boca para se referir aos escândalos, mesmo que evite as palavras “mensalão” e delubiovalerioduto, Luiz Inácio da Silva se enrola diante da impunidade que incentiva.

E é nesse embaraço, sobretudo, que está a chance de uma derrota na eleição de Outubro próximo. A indignação que tomou conta da Opinião Pública diante daquele festival de desfaçatez em que se transformou a festa do PT, com Luiz Inácio da Silva exortando os militantes a não abaixarem a cabeça, é a chave para a pregação da Oposição, e não a desqualificação de uma pesquisa de opinião que, com todas as inconsistências técnicas que possa ter, serviu quando apontava um peessedebista na liderança.

Há análises para todos os gostos nas pesquisas eleitorais, e sem dúvida possibilidades de fraude a favor deste ou daquele candidato enquanto estamos ainda longe das eleições. A pesquisa do Instituto Sensus, considerada “completamente inconsistente” pelo prefeito do Rio de Janeiro, Cesar Maia, um reconhecido analista de pesquisas, tem metodologias distintas das usadas pelo Instituto Brasileiro de Pesquisas de Opinião e Estatísticas (Ibope) e pelo Instituto Datafolha (Jornal Folha de S. Paulo) quando detecta a rejeição dos candidatos. E divide as regiões do País proporcionalmente com critérios iguais ao do Instituto Datafolha, e diferentes dos do Ibope.

Todas as metodologias estão, no entanto, dentro das normas legais, e não vai ser por aí que se decidirá a eleição deste ano. Parece incontestável que o vosso presidente Luiz Inácio da Silva está recuperando sua popularidade, seja pelo aspecto sazonal de que fala Alexandre Marinis, Assessoria Mosaico Economia Política, seja por fatores concretos que já estão sendo detectados por estudos como os do economista Marcelo Néri, da Fundação Getúlio Vargas (FGV): a desigualdade social está caindo e a criação de empregos formais está aumentando.

Marinis apresentou um estudo, sobre o qual falou o prefeito Cesar Maia, que mostra que nos últimos dez anos todo governo melhora de avaliação entre o último trimestre de um ano e o primeiro trimestre do outro. Em compensação, o estudo mostra também que todos os presidentes brasileiros perderam popularidade do primeiro para o segundo trimestre em praticamente todos os anos de seus mandatos. A popularidade do presidente caiu do primeiro para o segundo trimestre, em dez dos últimos onze anos, seis pontos percentuais em média, de 53% — nível idêntico ao da taxa de aprovação a Luiz Inácio da Silva divulgada pela última pesquisa do Instituto Sensus, ressalta Marinis — para 47% no segundo trimestre.

Na avaliação da Assessoria Mosaico Economia Política, a recuperação do vosso presidente Luiz Inácio da Silva deveu-se “muito mais à queda sazonal do desemprego, ao aumento sazonal da renda e à renovação das expectativas otimistas da população em relação ao ano que se inicia do que a outros fatores ventilados pela mídia, tais como: a ausência de um contraponto a Lula resultante da indefinição do principal candidato de oposição, o reforço das ações de marketing do governo, o Bolsa Família, o anúncio do novo salário-mínimo, o pacote de incentivos à habitação ou o pagamento da dívida com o FMI”.

Na pesquisa segmentada por renda, vê-se que o presidente/candidato continua dominando as classes inferiores, melhorando 14 pontos na faixa de cinco a dez salários-mínimos, e oito pontos, entre os que recebem de um a cinco salários-mínimos. O crescimento de quatro pontos na faixa de dez a 20 mínimos é sinal de uma ligeira recuperação na classe média, embora os números positivos ainda sejam muito baixos, de 30,2% para 34,5%. Entre os que recebem até um piso, a variação ficou dentro da margem de erro, de mais ou menos três pontos, mas já chega a 55%.

A popularidade do presidente/candidato melhorou em todas as regiões do País, até mesmo na região Sudeste, onde ele era mais fraco, e no Sul, onde a desaprovação caiu. Na região Centro-Oeste, que representa 6% do total, a aprovação cresceu de 34% para 55%. A desaprovação, que no geral caiu de 44,2% para 38,7%, regrediu na região de 56% para 38%. Já na região Sudeste, que corresponde a 42,6%, a aprovação de Luiz Inácio da Silva subiu de 40% para 49% e a desaprovação caiu de 47,5% para 43,4%. Na região Norte, a aprovação se manteve estável em 54,6%, enquanto a desaprovação teve queda de 38,8% para 32,2%. No Nordeste, onde o presidente/candidato vem tendo os melhores índices e representa 28,2%, a aprovação passou de 59% para 64,3%. A desaprovação saiu de 34,5% para 23,8%. No Sul, a aprovação variou de 41,9% para 42,9%, mas a desaprovação caiu de 50,3% para 46,3%. A oposição, para vencer Luiz Inácio da Silva, terá que convencer o eleitorado de que pode fazer melhor, com mais eficiência e menos corrupção.

A campanha oficialmente começa daqui a 130 dias, mas o vosso presidente Luiz Inácio da Silva, concorrendo à reeleição no cargo, pode fazer campanha a qualquer hora. É o pior defeito da reeleição. A Imprensa dá a cobertura natural de atos de governo ou das aparições públicas do presidente/candidato, mas o chefe de governo pode usar o espaço para seus propósitos. Outros possíveis candidatos têm visibilidade apenas regional.

Luiz Inácio da Silva tem sabido usar todos os defeitos do sistema eleitoral a seu favor. Um governo que foi notoriamente incapaz do ponto de vista administrativo tem estado hiperativo nos últimos meses, aos olhos do marketing político. Qualquer inauguração, promulgação, ato de gabinete são abertos para cobertura de Imprensa; e até mesmo as cenas dos roqueiros britânicos em turnês no País viram palco para campanha governista. O governo aproveita tudo: mega-concertos de Rock’n Roll, lançamentos de pacotes, como o habitacional; uso de cadeia nacional de Rádio e TV para comunicar o pagamento ao Fundo Monetário Internacional (FMI); decisões rotineiras, como a que aumentou o salário mínimo. Nas solenidades, o vosso presidente Luiz Inácio da Silva repete que ainda não é candidato e, em seguida, comporta-se como tal.

O presidente usa a Imprensa. Durante três anos, não deu uma entrevista coletiva sequer; quando entrou em campanha, passou a falar. É uma atitude autoritária, mas tem dado certo para o que quer. O presidente/candidato não quis falar quando era para prestar contas dos seus atos como governante, mas quer agora que está em campanha.

A força da Presidência da República para quem se dispõe a usá-la é poderosa. O vosso presidente está em campanha praticamente sozinho há meses e ficará nos próximos. Quando a campanha começar, será alvo de todos os outros candidatos no horário eleitoral. A Imprensa terá de dividir o espaço e os minutos do noticiário

Durante a festa dos 26 anos do PT, o partido demonstrou acreditar que todo o efeito do pior escândalo político do País já passou. Não fosse pelo fato de que, numa mesa, estavam marginalizados os ex-emergentes e agora deputados cassáveis João Paulo Cunha (PT-SP), Professor Luizinho (PT-SP), José Mentor (PT-SP) e o ex-deputado Paulo Rocha (RS), ninguém se lembraria do mensalão naquele encontro da “tiurma”. O próprio presidente/candidato mostrou acreditar que o terrível passado foi esquecido: “errar é humano”, desculpou-se.

Mas, na campanha, os outros candidatos tentarão usar a lembrança dos escândalos; o que parece soterrado vai aflorar. O PT não teve uma atitude que se esperava de quem sempre usou a bandeira da ética. Comportou-se como quem acredita que o partido fez “o que é feito sistematicamente no País”, nas palavras de Luiz Inácio da Silva. O eleitor que durante anos votou no partido fica desconcertado, mas pode não ter alternativa. Mas quem não é eleitor tradicional do PT?

O presidente/candidato teve uma melhora recente em três pesquisas feitas quase simultaneamente. Há diferenças, mas a fotografia é de melhora. A comparação com o mesmo mês do ano passado informa que 65% aprovavam o desempenho do presidente-candidato e agora são 53%; a desaprovação cresceu de 24% para 38%. Hoje 37,5% têm uma avaliação positiva do governo e, há um ano, eram 40%. A negativa subiu de 15% para 21%.

Mesmo sendo este um momento em que o presidente ocupa o palco praticamente sozinho, em que desfruta da melhor sazonalidade, como explicou o cientista político Alexandre Marinis, ele ainda está abaixo do que estava há um ano. Marinis diz que a verdadeira capacidade de recuperação do presidente Lula só será conhecida no segundo trimestre, no qual, em dez anos dos últimos onze, o presidente da República perdeu popularidade.

Há fatos que o governo vai explorar nesta virada para o segundo trimestre. Um deles é a auto-suficiência de petróleo. A Petrobras vai gastar R$ 37 milhões em campanhas do mesmo marqueteiro Duda Mendonça que têm o propósito deliberado e assumido de misturar uma lenta construção nacional de 52 anos com a imagem de um governo de três anos.

A Petrobras tem, por enquanto, em seu sitio na web, a informação lacônica de que, em 2005, gastou R$ 60 milhões em patrocínio. Na verdade, liberou, só em dezembro, R$ 85 milhões e, no ano inteiro, R$ 235 milhões. A informação nos foi confirmada pela direção da Petrobras após alguns dias de insistência. Agora que os dados foram consolidados, serão publicados no sitio na Internet. A empresa estatal está tendo um grande lucro e é natural que cresçam os patrocínios. Apenas dois problemas: falta de transparência de ter um valor de patrocínio quase quatro vezes maior que o anunciado e o risco de usar esse dinheiro com critérios eleitorais.

É muito cedo para se afirmar que a eleição já tem um favorito. Há uma faixa de 20% de indecisos nas últimas pesquisas; os outros partidos não escolheram candidatos. A economia pode ajudar o governo se mantiver a inflação estabilizada e os juros em queda. Mas é um equilíbrio delicado. No segundo semestre, os analistas acham que os juros vão parar de cair. (WAPJ)