Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

domingo, setembro 23, 2012

Mistura desastrosa: fé e voto

ESSA contaminação das campanhas eleitorais no País afora pela disputa religiosa é um fenômeno crescente e preocupante que conspira contra o fundamento constitucional do Estado laico. Na Cidade do Rio de Janeiro (RJ) e em outras importantes cidades brasileiras, como a Cidade de São Paulo (SP), esse lamentável fenômeno se agrava nos últimos tempos, e por lá explode no atual pleito municipal, especialmente em função de uma questão que não tem nada a ver com eleições: o acirramento da disputa entre a Igreja Católica Apostólica Romana e as confissões evangélicas, à frente essa seita - Igreja Universal do Reino de Deus (IURD).



UM novo conflito entre católicos e seguidores da igreja do bispo Edir Macedo reacendeu-se dias atrás por causa da divulgação, pelas redes sociais, de texto publicado em Maio de 2011 no Blog do pastor da IURD, Marcos Pereira, presidente do Partido Republicano Brasileiro (PRB) e atual coordenador da campanha eleitoral do deputado federal, Celso Russomanno, à Prefeitura da capital paulista. O texto continha duras críticas à Igreja Católica por conta da edição, pelo Ministério da Educação (MEC), do chamado "kit gay" - manual de orientação didática -, acusado pelo lobby evangélico no Congresso Nacional de fazer apologia do homossexualismo. A reação foi tão violenta que o então ministro de Estado da Educação, Fernando Haddad (PT-SP), mandou suspender a publicação naquela época.



O RETORNO dessa polêmica, movido certamente por interesses eleitorais, provocou vigoroso contra-ataque da Igreja Católica: no último dia 16 a Arquidiocese de São Paulo divulgou longa e dura nota assinada pelo cardeal arcebispo dom Odilo Scherer, lida durante as missas, sob o título Política, com ofensas à Igreja, não! Afirma o documento que a Arquidiocese, em obediência aos cânones da Igreja Católica e às determinações da Justiça Eleitoral, orienta seus fiéis "para que os espaços e os momentos de celebrações religiosas não sejam utilizados para a propaganda eleitoral partidária, nem para pedir votos para candidatos", embora reconheça que "também deu orientações e critérios sobre a participação dos fiéis na campanha eleitoral e na vida política da cidade e sobre a escolha de candidatos idôneos, embora sem citar nomes ou partidos". Em seguida, afirma que a Igreja Católica foi "atacada e injuriada, de maneira injustificada e gratuita, justamente num artigo do chefe da campanha de um candidato à Prefeitura de São Paulo".



AFIRMA ainda a nota que "a manipulação política da religião não é um benefício para o convívio democrático e pluralista e pode colocar em risco a tolerância e a paz social". E conclui reiterando "orientação para que os fiéis católicos votem de maneira consciente (...) para que nossa cidade seja governada por autoridades dignas e atentas à promoção do bem da cidade, mais que aos interesses de parte". Forçado pelas circunstâncias, o fato é que o chefe da Igreja Católica em São Paulo acabou misturando política com religião e contribuindo para ampliar a "manipulação" que sua nota condena.



DE FATO, não deixa de ser irônico, de qualquer modo - e isso, na verdade, reflete o nível rasteiro desta campanha eleitoral -, o fato de que Celso Russomanno, candidato pelo partido político comandado pela IURD, faz questão de ostentar sua condição de "católico fervoroso". Na medida em que política e religião não se devem misturar, não há problema no fato de um candidato a prefeito católico ter o apoio de fiéis de outra confissão religiosa. Ocorre que, neste caso, apesar do discurso e da pose, Russomanno, para usar a expressão popular, "não é muito católico" nem seus apoiadores no comando do PRB são simples correligionários, mas hierarcas de uma poderosa seita religiosa que é dona de um partido político.



DESTE modo, se não fosse falso e mal-intencionado, soaria apenas como ofensa pueril ao discernimento dos eleitores o argumento usado no maior caradurismo por Russomanno, no debate eleitoral promovido pelo Grupo O Estado de S. Paulo (OESP) e pela TV Cultura, para rebater as acusações de que sua candidatura estaria a serviço dos interesses das organizações, religiosa e comerciais, capitaneadas pelo “bispo” Edir Macedo: "No meu partido 80% dos membros são católicos; 20% são evangélicos, dos quais 6% seriam da Igreja Universal do Reino de Deus. Portanto, não existe um partido político comandado por uma igreja". O fato é que a legenda de Russomanno é comandada por uma seita religiosa.