Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

quarta-feira, fevereiro 22, 2012

A ferro e fogo

ARMAÇÃO DOS BÚZIOS (RJ) – O POVO sírio tem um papel complexo no Oriente Médio. Defensor do nacionalismo árabe, forma na linha de frente contra os israelenses. Humilhado militarmente pelos inimigos e tendo o Golã anexado pelo Estado de Israel, deu abrigo em Damasco aos líderes dos mais radicais movimentos palestinos, como o Hamas. Aliada do governo russo, herança dos tempos da URSS, a dinastia Assad, que domina aquele país há mais de 40 anos, procurou manter uma relação ambígua com o governo dos Estados Unidos da América (EUA). O Departamento de Estado norte-americano mantém o país na lista daqueles que apóiam o terrorismo.

EM tal contexto, causava preocupação a possível chegada à Síria do furacão popular contra retrógradas ditaduras — a “Primavera Árabe”. O evento chegou, e a questão se apresenta ainda mais complicada do que na Líbia, onde foi necessária a intervenção da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) para desentocar o finado ditador Muamar Kadafi e acabar com seu regime carcomido. Mas a situação na Líbia não está estabilizada.

NA Síria, o esperado: resistência a ferro e fogo do ditador Bashar Assad à revolta, que entrou no 12º mês. Resistência que se traduz em bombardeio diário dos focos de contestação ao regime, como as cidades de Homs — a mais visada e onde a ofensiva do governo entrou no 15º dia , Hama — arrasada pelo pai de Bashar, Hafez Assad, há 30 anos e onde morreram, então, cerca de 20 mil pessoas, e Deraa — onde começou a rebelião há um ano e bombardeada ontem. Bashar jamais admitiu que esteja matando o próprio povo — calcula-se em sete mil o número de mortos em 12 meses, civis, mulheres e crianças incluídos — e “denuncia” terroristas e agentes externos que buscam desestabilizar seu governo.

ESTA complexa Síria levou a comunidade internacional a um aparente beco sem saída. Os governos da Rússia e da China, evocando posições que remontam à Guerra Fria, bloquearam resolução do Conselho de Segurança (CS) das Nações Unidas que aumentaria a pressão sobre o governo sírio. O governo russo recorreu a pruridos diplomáticos ao rejeitar suposta ingerência externa nos assuntos sírios e atribuir ao Ocidente a intenção de trocar Assad, aliado dos russos, por alguém mais palatável.

NESTE exato momento ocorrem várias iniciativas diplomáticas, mas o sentimento internacional é de impotência diante do sofrimento imposto ao povo sírio por seu próprio governo, com apoio indireto dos governos da Rússia, da China e do Irã. A posição do governo do Brasil, explicitada em artigo publicado no Jornal O GLOBO e assinado pela embaixadora do Brasil na Organização das Nações Unidas (ONU), Maria Luiza Viotti, de usar a força “sempre como último recurso, esgotadas todas possibilidades da diplomacia e de uma solução negociada”, é platonicamente perfeita, mas nada acrescenta para deter a carnificina.

E A sensação de impotência aumenta quando o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, fala de possíveis crimes contra a Humanidade em território sírio. E a Assembléia Geral da ONU aprovou , semana passada, a proposta da Liga Árabe para a renúncia de Bashar Asaad. É apenas uma expressão formal da condenação ao regime, sem efeitos práticos. Mas vale como pressão política.

ALGUMA esperança repousa nas gestões do governo francês para que o governo russo aceite reexaminar sua posição e no aparente maior envolvimento d o governo da China, que decidiu enviar a Damasco seu vice-chanceler. Mas elas são poucas e ralas.