Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

quinta-feira, dezembro 29, 2005

2006 avec!

WLADMIR ÁLVARO PINHEIRO JARDIM
BELO HORIZONTE


2005 foi um ano perdido na política: o Partido dos Trabalhadores (PT) no governo perdeu a inocência, a Oposição perdeu a elegância, certos parlamentares perderam a vergonha, o governo perdeu a popularidade, o País perdeu uma agenda de desenvolvimento e a chance de avançar mais.

Na política, 2005 foi um ano fúnebre: as revelações que produziram a crise mataram sonhos, enterraram esperanças e liquidaram com a ilusão de purismo na política, até então encarnada pelo PT. A frustração foi grande, mas sofrida quase em silêncio, sem o estrépito dos protestos de rua, e isso foi uma preocupante tradução da descrença, que será traduzida pelo voto em 2006. Mas é tempo de festas, e devemos nos lembrar de que nem tudo nos foi tirado, avanços foram preservados e ganhos conquistados.

O ano político, que já começou mal, com a eleição do presidente da Câmara dos Deputados movida pelo arrivismo, termina pelo avesso. O presidente da República Luiz Inácio da Silva (PT-SP) que era favorito à reeleição já nem sabe se concorrerá; uma figura poderosa como José Dirceu (PT-SP) perdeu os direitos políticos e o antes intocável ministro de Estado da Fazenda Antonio Palocci Filho (PT-SP) foi marcado pelo chumbo das denúncias. A Oposição que quase mancava agora marcha armada com um discurso forte, contra a lambança de uma camarilha petista que enlameou todo o partido. Vivemos dias de radicalismo só comparáveis ao dos anos 1950 e dele surgiram nichos de macartismo, assim entendida a intolerância diante da diferença no pensar.

Mas é sempre bom lembrar que atravessamos esta grave crise dentro da normalidade democrática. Houve um momento em que o vosso presidente da República avisou que não ia renunciar nem se matar. De linguagem tão dramática ninguém se vale senão em situações limite. O discurso errático do presidente da República Luiz Inácio da Silva diante da crise contribuiu para agravá-la. No estouro das denúncias, falou em conspiração. Depois se declarou traído, reconhecendo os delitos de seu partido. Hoje os reconhece, mas acredita que a crise foi inflada pela oposição e pela Imprensa.

Dentro do marco democrático, as Comissões Parlamentares de Inquéritos (CPIs) foram instaladas e o próprio governo, por meio do Departamento de Polícia Federal (DPF) e da Controladoria Geral da União (CGU), contribuiu com as investigações. Cabeças rolaram, e as cassações de mandatos parlamentares estão em curso — estavam, pelo menos, até a absolvição de Romeu Queiroz (PTB-MG), mas não se deve ainda tomar aquela decisão do plenário da Câmara dos Deputados como tendência. Enfim, mais uma vez passamos no testes da maturidade democrática.

A frustração maltrata, mas também ensina. Na eleição de 2006 o eleitorado não estará procurando o salvador da pátria nem o fazedor de milagres. Se o próprio PT se igualou aos demais partidos, é assim que o eleitor o verá. Já em 2004, nas eleições municipais, houve uma nítida inclinação pelos candidatos com bom perfil gerencial, independentemente dos partidos a que pertenciam. Se Luiz Inácio da Silva for reeleito para um novo mandato (2007-10), não será na cauda do cometa da esperança que passou pelo Brasil em 2002. Será pelo saldo de realizações de seu governo e pela expectativa de que poderá fazer mais — apesar do caixa dois de campanha eleitoral, do delubiovalerioduto e do favorecimento financeiro a partidos aliados, tenha isso a forma de mensalão, semanadão ou mesmo ajuda eleitoral em dinheiro. Se o eleitorado preferir um outro, será por razões bem pragmáticas. Por acreditar que este outro poderá melhor dirigir o país e produzir soluções para tantos problemas acumulados.

Apesar da tragédia do PT e das promessas não cumpridas, o governo Luiz Inácio da Silva (2003-6) tem saldos a apresentar. Está ferido, mas não fora do jogo. Pegou a economia numa situação difícil, venceu a ameaça de volta da inflação, restaurou a credibilidade, fez desabar o risco-país e incrementou as exportações. Para isso, renegou crenças passadas e pagou com desgaste e perda de apoio à esquerda. Depois de não renovar um acordo de empréstimos com o Fundo Monetário Internacional (FMI), acaba de pagar o que lhe devia. Tira uma bandeira dos adversários de esquerda. O crescimento econômico em 2005 encolheu relativamente em relação ao de 2004 mas poderia ter sido pior. Outra graça foi a autonomia da economia diante de uma crise que, ao longo de sete meses, quase todo dia prometia o fim do mundo. O desemprego caiu no governo Luiz Inácio da Silva, mas a geração de postos de trabalho está muito aquém do necessário e principalmente do prometido na campanha de 2002. A renda cresceu um pouquinho e milhares de jovens pobres chegaram ao ensino superior privado graças ao Programa Universidade Para Todos (ProUni) do Ministério da Educação (MEC). Aos pobres, o governo agradou com o programa Bolsa Família e outros programas sociais, mas a classe média, além da desilusão, não viveu dias melhores, ao contrário das instituições financeiras privadas, que lucraram tanto. As flores da economia estão sendo exibidas como trunfos, mas, para apagar a frustração, o resultado econômico do novo ano terá que ser excepcional. Isso é incerto, ainda é futuro.

Outras instituições, sobretudo a policial, frustram os brasileiros, perdendo para a violência e para o crime (embora a Polícia Federal tenha crescido em credibilidade). A Justiça soltou Paulo Salim Maluf e continua morosa, mas este ano foi instalado o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), para fiscalizá-la com a participação de agentes externos. E o Congresso Nacional, pressionado a não dar férias para a crise, autoconvocou-se com remuneração extra, mas permanecerá paralisado até 16 de Janeiro. Pior: não produziu uma só reforma legislativa no sistema político para evitar a repetição de práticas eleitorais que estão na origem da crise.

Por isso e muito que não foi dito, a taxa nacional de felicidade foi muito baixa. Nem todos souberam lidar com a adversidade, mas o País soube. E isso é ganho.

2006 só aparecerá no calendário no próximo Domingo, 01, mas começou faz tempo. Fazemos votos de que, após os 12 meses regulamentares, ele acabe.

É que o calendário político às vezes insiste em se descolar da vida real. Da mesma forma como 2006 brotou em 2005, engolindo todos os atos e fatos ao sabor dos interesses eleitorais, pode acabar também invadindo 2007 com as seqüelas da disputa sangrenta que se avizinha. E o primeiro ano de governo do presidente da República eleito pode acabar demorando muito a começar de verdade...

Mas isso é conversa para depois. No descanso de Virada de Ano, o máximo que podemos fazer é tentar organizar a vida para os meses seguintes. Às vezes, uma agenda ajuda. A agenda dos políticos está mais ou menos assim:

Janeiro: definição das regras do jogo e risco de vexame no Congresso Nacional. Aquela instituição volta a ter sessões plenárias dia 16. Se não houver quorum, será a desmoralização total da convocação extraordinária. No fim do mês, está programada a votação da emenda que acaba com a verticalização das alianças. Deve ser derrotada, mas só então ficará clara a última regra para as eleições.

Fevereiro: o Carnaval (talvez, o derradeiro) de Luiz Inácio da Silva com os ministros. A CPI dos Correios promete apresentar seu relatório final, que terá de dizer para valer de onde veio o dinheiro do delubiovalerioduto que irrigou o mensalão. Por isso mesmo, é grande a chance de atraso. Embora o prazo seja Março, o presidente Luiz Inácio da Silva deve deixar claro que é mesmo candidato à reeleição. E vai começar a desenhar a última reforma ministerial, pedindo aos ministros que decidam se são candidatos. Dia 15, o Congresso Nacional voltará a trabalhar normalmente. Acredite quem quiser: tem Carnaval no fim do mês.

Março: um Super-Março. Mês das decisões. Além do anúncio oficial da recandidatura Luiz Inácio da Silva, já se saberá qual será seu quadro de alianças e se José Alencar Gomes da Silva (PRB-MG) continua como vice na nova chapa. Os Peessedebistas decidem seus destinos com as pesquisas e uma pajelança: José Serra ou Geraldo Alckmin?

A propósito, não é apenas na escolha do candidato a presidente da República pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) que a política de São Paulo vai ter influência decisiva.

Também, na escolha do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), entre ter um candidato próprio ou se dividir em diversas candidaturas, será fundamental a posição da seção paulista do partido. O ex-governador Orestes Quércia (PMDB-SP), mesmo que seja generalizada a percepção de que ele não tem fôlego para se eleger governador do estado, parte de um patamar importante para as negociações políticas, aparecendo como favorito hoje.

A decisão do PSDB será tomada em Março, à luz das pesquisas, mas também de outros fatores: quem tem mais condições de fazer alianças, quem tem menos vulnerabilidade em uma campanha. A primeira decisão terá que ser dos pré-candidatos: quem vai ter coragem de dar o salto no escuro, mesmo protegido por uma hipotética rede de segurança que vem das pesquisas. Quem tem mais a perder é o prefeito municipal de São Paulo José Serra (PSDB-SP). Se derrotado pela segunda vez por Luiz Inácio da Silva, o prefeito paulistano terá abandonado a prefeitura, ficará marcado pela decisão e sem cargo político.

Uma decisão assim é assombrada pela marca que deixou no PSDB a decisão do então prefeito municipal de Belo Horizonte Pimenta da Veiga (PSDB-MG) de abandonar a prefeitura da Capital mineira para se candidatar ao governo do Estado de Minas Gerais. A derrota de Pimenta da Veiga, considerado favorito na época, até hoje é lembrada. Já o governador do Estado de São Paulo Geraldo Alckmin (PSDB-SP), que poderia ser eleito senador, ficará fora da política pelos próximos quatro anos, caso venha ser o escolhido pelo partido e perca o embate presidencial de 2006 nas urnas. Alckmin tem pesquisas que mostram que ele sairia vencedor de uma hipotética disputa com o senador Eduardo Suplicy (PT-SP), pela única vaga do Senado Federal que estará em disputa em Outubro de 2006.

O PMDB acena com apoio à candidatura Serra, de quem já foi vice na chapa que foi às urnas em 2002, se houver acordo para o governo de São Paulo. O mesmo objetivo tem o Partido da Frente Liberal (PFL), antigo parceiro do PSDB na eleição (1994) e reeleição (1998) de Fernando Henrique Cardoso, ambas vencidas no primeiro turno. O PFL apresenta o nome do empresário e candidato derrotado nas eleições presidenciais de 1989, Guilherme Afif Domingos (PFL-SP), que agora aparece nas pesquisas para o governo de São Paulo com apenas 6% dos votos, a mesma média dos pré-candidatos do PSDB (Paulo Renato Souza, Aluisio Nunes Ferreira, Zulaiê Cobra e Alberto Goldmann). Ademais o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, apesar de não ser candidato, têm 21% das intenções de votos para o governo de São Paulo, segundo as últimas pesquisas. Mas não há espaço para o tipo de acordo que querem o PFL e o PMDB entre os peessedebistas, pois estes estão convencidos de que, com uma média de aprovação em torno de 80%, o governador Geraldo Alckmin tem força política para fazer seu sucessor.

Um acordo para o Senado Federal, com qualquer dos dois partidos (PMDB e PFL), é possível, se Alckmin, derrotado em sua pretensão, permanecer à frente do governo, como é o desejo do partido. Assim, o PFL não assumiria ao mesmo tempo o governo de São Paulo e a prefeitura da capital. Quércia está demonstrando que tem força, e se não houver um acordo, pode apoiar o ex-governador do Rio de Janeiro Anthony Garotinho (PMDB-RJ) à Presidência da República para tentar, assim, ser candidato do PMDB em São Paulo com maior viabilidade. Na avaliação ousada de Garotinho, Luiz Inácio da Silva está perdendo para ele votos nas camadas populares, e os candidatos do PSDB estão tirando seus votos nas classes média e superiores, um processo de corrosão que pode barrá-lo na disputa do segundo turno.

Garotinho, hoje, vislumbra um segundo turno contra o candidato do PSDB. Segundo as pesquisas, ele já está passando Luiz Inácio da Silva no Norte do País e acha que está criando uma situação no PMDB que é irreversível. Seu raciocínio é pragmático: se ele rompe a barreira dos 20% de preferência no eleitorado, como pode o PMDB escolher outro candidato?

Ele fez uma pesquisa entre os 20 mil convencionais do partido e diz que tem 63% de apoio. Não teme ser “cristianizado” como já aconteceu com figuras mais importantes do PMDB, como o próprio Quércia e o saudoso ex-presidente do partido deputado Ulysses Guimarães, porque não conta muito com o apoio da cúpula, mas com a base do partido. Ele quer o tempo de Rádio e TV ao qual o PMDB tem direito, pouco mais de quatro minutos, para se equiparar aos dois outros candidatos que polarizam a disputa: o PT tem pouco menos de cinco minutos, e o PSDB, caso se coligue com o PFL, terá mais ou menos o mesmo tamanho de programa de Rádio e TV. Garotinho acredita que o PMDB dá a ele os instrumentos e a capilaridade para seu discurso se espalhar pelo País.

Ele considera que os 18 candidatos a governador com chances eleitorais — nove que disputam a reeleição e outros nove que concorrem com chance — terão interesse no fortalecimento de sua candidatura. Por isso, é contra a verticalização nacional das chapas, pois sem ela os candidatos regionais poderão fazer alianças políticas independentes, o que é uma marca registrada da política peemedebista: uma federação de forças políticas que se bastam regionalmente. Se houver a verticalização, é mais difícil o PMDB ter candidatura própria.

Por isso, o PMDB é a maior máquina partidária montada no País: tem o maior número de governadores, maior número de prefeitos e vereadores, maior bancada do Senado Federal e segunda bancada na Câmara dos Deputados. Uma máquina que nunca trabalhou em conjunto para uma candidatura a presidente da República. Garotinho acha que conseguirá unir essa máquina pela base. E por isso também a cúpula partidária está se unindo contra ele.

Assim como Garotinho, com razão, diz que sua candidatura não depende da cúpula partidária, querendo apenas os instrumentos eleitorais de que o PMDB dispõe para se firmar como uma opção eleitoral, os chefes partidários do PMDB não desejam perder o controle para esse recém-chegado.

Preferem se dividir nos apoios a diversos outros candidatos e manter o controle de seu feudo eleitoral. Os caciques que estão contra a candidatura Garotinho alegam que de nada adianta ele aparecer bem nas pesquisas pois, se chegar ao segundo turno, será derrotado por qualquer dos adversários. A força do PMDB, mais do que nunca, está nesse axioma político: o partido não consegue eleger um presidente da República, mas nenhum presidente governa sem apoio do PMDB.

Estão marcadas as prévias do PMDB. Mantidas ou não, vão deixar claro se haverá candidato e se ele será Garotinho ou não.
Dia 31 de Março é o prazo de desincompatibilização para ministros e ocupantes de cargos públicos, inclusive os governadores e prefeitos, que vão disputar. Hora da decisão irreversível.

Abril: os sinais da economia. A esta altura, será possível aferir se a economia cresceu razoavelmente no primeiro trimestre, como prevêem os governistas. É fator decisivo nesse início de campanha e pode virar (ou não) bandeira de Luiz Inácio da Silva em campanha. Prazo para o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Nélson Jobim, deixar aquela Corte e se filiar a um partido político, possivelmente o PMDB, para embaralhar a sucessão.

Maio e Junho: com os olhares voltados para a Seleção Canarinho na Copa do Mundo na Alemanha, e hora de oficializar as candidaturas. Prazo para as convenções nacionais e estaduais dos partidos para escolha de seus candidatos. É a hora da briga interna e da oficialização das alianças. Atenção concentrada nas bases. A partir de junho, ficam suspensos investimentos da União Federal em obras em estados e municípios. O que liberou, liberou. O que não liberou, não libera mais.

Julho: mês de ressaca da Copa da Alemanha e a campanha eleitoral prepara-se para ganhar as ruas. Ainda não é hora dos comícios e nem da propaganda no Rádio e na TV, mas é o mês em que os candidatos, com a casa arrumada e a assessoria estruturada, costumam entrar com tudo na campanha, percorrendo o País no corpo-a-corpo.

Agosto: estréia da propaganda eleitoral no Rádio e na TV. O eleitorado começa a tomar conhecimento da eleição.

Setembro: reta final. É quando o eleitor começa a se decidir de fato. O mês crucial da campanha.

Outubro: haja coração. Vamos às urnas.

Novembro: contagem de mortos e feridos, ganhadores e perdedores. Mês de curar as feridas, e o início dos preparativos do novo governo que tomará posse em 01 de Janeiro de 2007.

Dezembro: feliz Natal e próspero Ano Novo. Feliz 2007!

Por hora deixo-os na companhia de Drummond: "Quem teve a idéia de cortar o tempo em fatias, a que se deu o nome de ano, foi um indivíduo genial. Industrializou a esperança, fazendo-a funcionar no limite da exaustão. Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos. Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez, com outro número e outra vontade de acreditar que, daqui para diante, vai ser diferente ...".