Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

quarta-feira, abril 13, 2011

Extirpando privilégios

VISANDO assegurar à magistratura as condições necessárias para atingir as metas de produtividade e melhorar a qualidade do atendimento ao público, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu padronizar o horário de funcionamento de todas as varas e tribunais do País, determinando que o expediente comece às 9 e se encerre às 18 horas e que não haja interrupção nos trabalhos. A medida foi tomada a pedido da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que há muito tempo denuncia alguns tribunais que cumprem jornada de apenas 6 horas e encerram os trabalhos semanais na Quinta-feira, assegurando um fim de semana de 3 dias para seus integrantes.

A PARTIR desta decisão do CNJ, os servidores judiciais terão de cumprir jornada de trabalho de 8 horas, de Segunda a Sexta-feira. Atualmente, o horário de funcionamento das varas e dos tribunais varia de Estado para Estado da Federação. Enquanto na maioria dos órgãos do Poder Executivo a jornada de trabalho é de 8 horas, no Poder Judiciário - especialmente na Justiças estadual - ela é mais curta. Em 12 Estados da Federação, a jornada é de 7 horas corridas e em 11 Estados, de 6.

ALÉM de ser uma das causas do congestionamento da Justiça nos Estados da Federação, a jornada mais curta se converteu em fonte de abusos. Para manter os fóruns judiciários abertos, receber petições de advogados, atender a população e assessorar magistrados, muitos serventuários trabalham 8 horas, mas ganham 2 horas extras por dia. Há dois anos, o CNJ descobriu, em alguns tribunais, servidores que recebem - a título de hora extra - mais do que o valor do próprio salário. Pela decisão do CNJ, a 7.ª e a 8.ª horas passam a ser pagas pelo valor da hora normal.

O CNJ também descobriu, em alguns tribunais estaduais, serventuários que só trabalham de manhã e outros que só trabalham à tarde - todos com a carga horária de 6 horas, para executar as mesmas funções. Por ironia, essas constatações ocorreram na mesma época em que os Tribunais de Justiça (TJs) reivindicavam aumento nos repasses orçamentários, argumentando que destinavam mais de 90% de seus recursos para a folha de pagamento, pouco sobrando para investir na informatização das varas judiciais e atendimento ao público.

COMO era de esperar, a padronização do horário de funcionamento das varas e dos tribunais provocou revolta na Justiça dos Estados. Nas notas de protesto que vem publicando em seu site, a Federação Nacional dos Servidores do Judiciário nos Estados afirma que "a Lei Áurea foi revogada há tempos", acusa o CNJ de "converter pessoas em marionetes" e de violar "conquistas da categoria" e promete "parar o Judiciário" como protesto.

POR outro lado os desembargadores que presidem os Tribunais de Justiça nos Estados alegam que, em muitos Estados da Federação, a jornada de 6 horas foi instituída por lei aprovada pelas Assembleias Legislativas, motivo pelo qual a decisão do CNJ violaria o princípio federativo e a autonomia do Judiciário. Eles também afirmam que a imposição da jornada de 8 horas vai exigir mais contratações, aumentando os gastos com pessoal. O protesto mais extravagante foi do presidente do Colégio Permanente dos Tribunais de Justiça, desembargador Marcus Faver. Segundo ele, nas Regiões Norte e Nordeste o calor impediria os serventuários de trabalhar entre as 12 e as 15 horas - apesar de a maioria dos tribunais possuir aparelhos de ar-condicionado modernos. "Eles têm o costume de fazer a sesta (...). É um costume tradicional nessas regiões e que tem suas razões de ser (...). É um risco você desrespeitar as tradições locais", disse Faver, em entrevista concedida a reportagem do Jornal O GLOBO. Ele foi apoiado pelo presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ). Para o desembargador Manoel Rebelo dos Santos, da mesma forma como "não há jogo de futebol ao meio-dia em alguns Estados, por causa do calor", não deveria haver expediente judicial nesse horário. "Temos de levar em conta a temperatura", afirmou.

TAIS argumentos mostram que o CNJ terá de se esforçar muito para acabar com privilégios que, de tão entranhados que estão nos hábitos de certos setores, são considerados direitos líquidos e certos.