Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

domingo, maio 16, 2010

Seriedade improvisada

O GOVERNO Luiz Inácio da Silva (2003-10) cortará cerca de R$ 10 bilhões de seus gastos para combater o aquecimento excessivo da economia e conter as pressões inflacionárias, anunciou, no início desta semana, o ministro de Estado da Fazenda, Guido Mantega (PT-SP). Será uma providência bem-vinda, porque vários sinais de alarme já foram disparados. A demanda tem aumentado bem mais do que a oferta interna de bens e serviços. O descompasso é refletido na elevação dos preços, na expansão das importações e na redução do superávit comercial, 67,4% inferior, até Abril, ao dos primeiros quatro meses do ano passado.

MANTEGA demorou a admitir o risco de um sério desajuste, mas parece decidido, afinal, a cuidar do problema. Já haviam sido congelados R$ 21,8 bilhões, mas essa decisão havia repetido um procedimento costumeiro nos primeiros meses do ano. É medida de prudência determinada por Lei. Em condições normais, o governo pode liberar mais tarde o dinheiro, de acordo com a evolução da receita. Desta vez, no entanto, o contingenciamento parece envolver um compromisso mais grave. O novo corte, segundo o ministro Mantega, "será um complemento", isto é, um acréscimo àquele já anunciado de forma rotineira.

GUIDO Mantega vem reconhecendo gradualmente o problema do excesso de demanda, como se quisesse dar, aos poucos, e sem choques, uma notícia preocupante. Há poucos dias, insistia numa previsão de crescimento entre 5% e 6% neste ano, ainda abaixo das estimativas do mercado.Na última Quinta-feira, 13, prometeu agir para evitar uma expansão superior a 7%. Mas estimou para o primeiro trimestre uma variação do Produto Interno Bruto (PIB) na faixa de 2% a 2,5%. Projetados para um ano, esses números correspondem a taxas entre 8,2% e 10,4%, dignas de um desempenho chinês.

JÁ ESTÁ bem claro por que o ministro de Estado da Fazenda resolveu reconhecer e enfrentar o problema. A estimativa de um crescimento igual ou até superior a 2% no primeiro trimestre havia sido apresentada internamente por técnicos do Ministério da Fazenda (MF). Um cálculo mais preciso será conhecido em Junho, quando o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgar a atualização das contas nacionais. Mas os dados conhecidos até agora indicam forte aquecimento da economia, resultante principalmente da expansão do consumo familiar e do gasto público, embora o investimento tenha voltado a aumentar depois de um ano de retração.

ALGUNS economistas do setor produtivo nacional também têm revisto suas projeções para o crescimento econômico em 2010. A taxa de 6% é hoje o piso das estimativas. As mais elevadas estão entre 7% e 7,5%. A revisão tem incluído o aumento da inflação calculada para 2010. Segundo o secretário de Política Econômica do MF, Nelson Barbosa, a atividade tende a perder impulso. A evolução da demanda no primeiro trimestre foi em parte determinada por incentivos fiscais já eliminados. É um argumento ponderável, mas também setores industriais não incluídos na política de estímulos aumentaram vigorosamente sua produção nos últimos meses. A demanda tem sido favorecida não só pela diminuição temporária de certos impostos, mas também pela rápida expansão do crédito e pelo aumento do salário médio real e da massa de rendimentos.

A AUTORIDADE monetária nacional, o Banco Central do Brasil (BC), foi a primeira entidade oficial a apontar publicamente o risco de uma economia superaquecida. Foi também a primeira a agir, iniciando uma nova rodada de aumentos de juros. Os ministros da área financeira decidiram enfim seguir na mesma direção, anunciando medidas para conter o crescimento excessivo da demanda.

DE ACORDO com o raciocínio do ministro de Estado da Fazenda os cortes atingirão somente o custeio, ficando preservados os programas sociais e os investimentos mais importantes. Para adotar medidas de austeridade o Executivo terá de suportar pressões de congressistas empenhados em gastos eleitoreiros. Terá também de enfrentar a liderança do funcionalismo público federal acostumado a bondades salariais. Mas precisará, acima de tudo, renegar a própria orientação. Mesmo com o forte aumento da receita, as contas do governo federal vêm piorando há meses, por causa de uma indisfarçável gastança.

PARA conter um surto inflacionário, o Executivo terá de improvisar um pouco da seriedade fiscal até agora rejeitada.