Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

quinta-feira, outubro 11, 2012

Desenho catastrófico

RIO DE JANEIRO (RJ) – É! A comunidade internacional vem hesitando em intervir diretamente no conflito da Síria porque existe o temor, fundamentado, de que tal ação destruiria o pouco que resta de previsibilidade naquela crise e deflagraria uma guerra regional. Mas, com o prolongamento dos combates na Síria, o entorno do país, principalmente na sua fronteira com Turquia e Líbano e, em menor escala, na divisa com Jordânia e Iraque, já pode ser considerado como uma grande zona de guerra. Como a Turquia participa da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), aliança militar que prevê auxílio coletivo em caso de agressão a um de seus integrantes, não é difícil perceber o tamanho do problema.



O “FIO” em que se equilibram as forças locais balança perigosamente a cada incidente nessas fronteiras. O mais recente deles foi a morte de cinco civis na Turquia, atingidos por tiros de artilharia disparados do lado sírio. Não se conhece a autoria dos disparos, mas o episódio gerou uma dura reação turca, que responsabilizou o ditador Bashar Assad. Pressionado pelo governo da Rússia, que lhe tem servido como escudo diplomático, o governo sírio pediu desculpas pelo bombardeio, que disse ter sido um acidente, mas isso não impediu que a Turquia reagisse atacando alvos na Síria durante dois dias. Além disso, o Parlamento turco autorizou o primeiro-ministro, Recep Tayyip Erdogan, a ampliar a retaliação militar.



NADA disso pode ser tomado por seu valor de face. A resposta militar turca foi localizada e com o emprego de meios limitados. Além disso, o aval do Parlamento para que Erdogan declare guerra é apenas uma maneira de intimidar os sírios. O tom foi seguido pelo premiê, que em discurso advertiu o governo sírio: "Nós não estamos interessados na guerra, mas também não estamos longe disso. Esta nação chegou aonde está hoje tendo passado por guerras intercontinentais".



AQUELE discurso de Erdogan foi menos endereçado aos sírios e mais para satisfazer o público turco. Cidades da Região Sudeste da Turquia vêm sendo atingidas há bastante tempo por projéteis vindos da Síria, e um avião turco foi derrubado pelas forças leais a Assad em Junho último. Logo, a resposta de Ancara não diz respeito somente ao último bombardeio, mas a uma longa série de incidentes na fronteira, que irritaram a opinião pública turca e pressionaram o governo a reagir. Ademais, os turcos acreditam que seu governo esteja sendo leniente demais com Assad, enquanto sofre os efeitos colaterais do conflito - a Turquia já teve de abrigar 100 mil refugiados sírios, e o comércio regional, do qual o país tanto depende, está seriamente prejudicado.



ADEMAIS, o governo turco queixa-se de ter sido abandonado pelas forças ocidentais. Em linha com seu projeto de neutralizar concorrentes e ser a grande potência da Região, Ancara ajuda abertamente os rebeldes sírios, permitindo que eles recebam armas e abrigo. Mas o governo da Turquia esperava receber apoio do governo dos Estados Unidos da América (EUA) e se queixa de que, por enquanto, esse suporte tem sido apenas retórico, de modo que o país acabou se expondo ao enfrentar sozinho a Síria - e, por tabela, o Irã, a Rússia e a China, os patrocinadores de Assad. Por esse motivo, embora não tenham nenhuma simpatia pelo ditador sírio - principalmente porque Assad apoia os separatistas curdos na Turquia -, os cidadãos turcos são contrários a uma ação militar unilateral do país contra a Síria, como mostram pesquisas de opinião. Ainda assim, o envolvimento turco na guerra síria já é grande, e, dadas as suas ambições regionais, é difícil saber como o governo da Turquia se comportará daqui em diante.



PORÉM, seja como for, considerando-se o nível de hostilidade histórica entre os atores dessa crise cada vez mais complexa, é possível antecipar que uma guerra regional seria especialmente brutal. O eventual engajamento da Otan no conflito, em razão de sua solidariedade contratual com a Turquia, seria ainda mais dramático, porque teria como resposta o envolvimento direto do Irã. Esse cenário catastrófico começa a se desenhar com o prolongamento da guerra civil síria, diante da qual a diplomacia internacional se mostra cada vez mais impotente.