Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

sábado, abril 17, 2010

O “golaço” de Obama na ONU

ACHO que não se pode dizer que a questão das sanções ao Irã roubou a cena da Cúpula de Segurança Nuclear, que nesta semana (Segunda e Terça-feira, 12 e 13 últimos) reuniu em Washington (DC) dirigentes e outros representantes de 47 países, porque o próprio promotor do evento, o presidente da República dos Estados Unidos da América (EUA), Barack Houssein Obama, se valeu dele para insistir na "rápida e agressiva" adoção, pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, de uma nova bateria de penalidades contra o governo iraniano por suas recorrentes transgressões do Tratado de Não-Proliferação (TNP). Mas Obama foi mais bem-sucedido na conferência em si - o maior encontro de líderes estrangeiros em solo norte-americano desde aquele que criou a ONU, em 1945 -, do que nas suas exortações sobre o Irã.

UM RELEVANTE obstáculo às sanções, como se sabe, é a China. Um dos 5 membros do Conselho de Segurança das Nações Unidas com poder de veto, o país compra de Teerã 12% dos seus suprimentos de petróleo e gás - e não está especialmente ansioso em pavimentar o caminho para a renovada afirmação da liderança mundial dos EUA. À margem da cúpula, Obama se reuniu com o presidente Hu Jintao, e os porta-vozes da Casa Branca se apressaram a espalhar que a China havia enfim anunciado o seu apoio ao pleito norte-americano. Aparentemente, a versão não se sustém. A chancelaria chinesa logo fez saber que Pequim continua a preferir "o diálogo e o entendimento às sanções e pressões". É também a posição do Brasil e da Turquia, membros temporários do Conselho.

PORÉM, se continua incerto o desfecho da demanda norte-americana - cujo principal objetivo é o de confrontar o Irã com uma crescente coesão da comunidade internacional para que cumpra as suas obrigações como signatário do TNP -, o resultado da cúpula propriamente dita representou um progresso notável. Obama fez da não-proliferação e do controle dos arsenais atômicos o carro-chefe da sua política externa. Há um ano, em Praga, numa fala que contribuiu para ser contemplado, prematuramente, com o Prêmio Nobel da Paz, pregou o desarmamento nuclear, embora, realista, tenha admitido que não viverá para ver essa meta alcançada.

SUA PRIORIDADE imediata, em todo caso, era neutralizar agora o risco de uma organização terrorista como a Al-Qaeda ter acesso à bomba ou aos materiais (urânio altamente enriquecido ou plutônio) que lhe permitiriam montá-la. Na abertura da cúpula, cuja realização ele havia anunciado em Praga, Obama declarou essa eventualidade "a maior ameaça singular à segurança dos Estados Unidos, no curto, médio e longo prazos". É uma hipótese improvável, porém não impossível. Existem, disseminados por meia centena de países, cerca de 1.600 toneladas de urânio fortemente enriquecido e 500 toneladas de plutônio, o suficiente para a produção de umas 100 mil bombas. Bastam 50 quilos de urânio para fazer uma réplica daquelas lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki.

EM SUMA, o vosso presidente da República, Luiz Inácio da Silva (PT-SP), tem razão quando diz que "o modo mais eficaz de reduzir os riscos de que agentes não-estatais utilizem explosivos nucleares é a eliminação total e irreversível de todos os arsenais". Na prática, equivale a dizer que a melhor solução para o contrabando de armas é a eliminação da indústria bélica. Com os pés no chão, Obama conseguiu que 47 países assumissem o compromisso voluntário de participar de um plano internacional para a salvaguarda de materiais atômicos em um prazo de 4 anos. O plano deverá desembocar numa série de medidas relacionadas com o armazenamento, uso, transporte e contabilização de substâncias radioativas, especialmente urânio e plutônio.

ISSO não é pouca coisa quando se tem em mente, por exemplo, que o Paquistão, infestado de terroristas, se recusa a abandonar a produção de plutônio para a sua segunda geração de armas nucleares. Guardadas as proporções, a corrida armamentista entre o Paquistão e a Índia substituiu a que os EUA travavam com a antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Os líderes dos EUA e da Rússia, por sinal, assinaram na semana passada um tratado de desarmamento que prevê a redução em 30% dos respectivos arsenais estratégicos. Significa mais, na diplomacia nuclear global, do que "jogar fora remédios vencidos", como comparou um desavisado Luiz Inácio da Silva.