Notas do Pinheiro

Jornalismo Analítico

quinta-feira, abril 23, 2009

Passado assombroso

As lideranças do Partido Republicano não mudam e agridem duramente quem queira mudar a imagem belicista e antipática do Governo Norte-americano perante o mundo civilizado.

Domingo último, 19, um senador republicano, John Ensign, chamou de “irresponsável” o presidente da República dos Estados Unidos da América, Barack Obama, porque o carismático líder democrata apareceu rindo e brincando com o presidente da República da Venezuela, Hugo Chávez, numa foto divulgada no mundo inteiro. Para o senador, “o prestígio dos Estados Unidos e do presidente dos Estados Unidos não permite que ele apareça ao lado de qualquer um “, ainda mais ao lado de alguém “que é um brutal ditador e um violador dos direitos humanos”.

Os ultraconservadores nos Estados Unidos da América (EUA), infiltrados em setores da política, da mídia e de grandes corporações, reagem vigorosamente às novas tendências da política externa do Governo Barack Obama, de dialogar com todos os países, mesmo aqueles que têm sido hostis à política norte-americana nos últimos anos, como Irã e Coréia do Norte. Outro motivo de polêmica, e de reação dos cubanos conservadores de Miami, é a possibilidade cada vez mais forte do diálogo Cuba-EUA, que culminaria com o fim do bloqueio econômico à Ilha Caribenha, sobretudo depois que o Governo norte-americano liberou as viagens e remessas de dinheiro dos EUA para Cuba.

Há uma semana, passou quase despercebida pela mídia a liberação de documentos do governo de George W. Bush (2001-8) sobre a tortura, ou melhor, sobre “técnicas de interrogatório” dos suspeitos de terrorismo presos em Guantânamo e em outras prisões secretas norte-americanas espalhadas pelo mundo.

Num desses documentos, de autoria de Jay Bybee, procurador-geral adjunto, e John Rizzo, conselheiro da CIA, no governo W. Bush, "ensina" que “Para violar a lei, a pessoa deve ter a intenção específica de infligir severa dor ou sofrimento… porque a intenção específica é um elemento da ofensa, a ausência de intenção específica invalida a acusação de tortura…se o acusado (torturador) agiu com boa-fé, acreditando que suas ações não causam tanto sofimento, ele não agiu com intenção específica”.

No original: “To violate the statute, an individual must have the specific intent to inflict severe pain or suffering… Because specific intent is an element of the offense, the absence of specific intent negates the charge of torture. ... if a defendant acts with the good faith belief that his actions will not cause such suffering, he has not acted with specific intent".

Você já viu algo juridicamente mais grotesco, um torturador de boa-fé? Pois foi com base nesse memorando, de 2002, que respondia a uma consulta sobre até que ponto poderiam ir os torturadores com determinado preso, que eles se sentiram seguros para fazer o que fizeram nestes anos todos.

Pois com o aval do governo, eles seguiram ao pé da letra as recomendações e criaram suas próprias "técnicas de interrogatório": simular um afogamento, onde o preso tem a sensação de que vai morrer asfixiado (waterboarding), impedir que ele durma, dar tapas em seu rosto ou confiná-lo num pequeno espaço onde ele mal possa se mover, na companhia de insetos que picam. Nada disso significou tortura, para o pessoal da administração Bush.

No momento, é bem provável que os torturadores brasileiros peguem carona nesse parecer da Era W. Bush, para argumentar que, no caso de Stuart Angel Jones (filho da saudosa estilista mineira Zuzu Angel), que morreu sufocado por gás carbônico depois que teve a boca amarrada ao cano de descarga de um jipe da Aeronáutica, em 1971, não houve “intenção específica” de provocar dor ou sofrimento.

Os torturadores norte-americanos podem ficar tranquilos porque o presidente Barack Obama já avisou que nada vai acontecer a quem autorizou e a quem executou os "interrogatórios". Ele disse que "o momento é de reflexão, não de castigo". E deixou claro que prefere encerrar "um capítulo obscuro e doloroso da história norte-americana".

Declarar encerrado um capítulo da história é cômodo, mas não deixa de ser um perigoso precedente para a prática de novas selvagerias em nome da segurança.